sábado, 4 de dezembro de 2010

Postagem 51


Depois de mais um bom período sem internet, tamo mais uma vez de volta. E, como um amigo paulista fala, "amarra as carça", por que essa é a postagem 51 do meu blogue. É um número muito sugestivo e apreciado por este que vos fala.
Já em ritmo de férias, to pensando nesse momento em quanta pinga vou tomar a partir de quarta-feira, data de minha partida rumo à Ilha do amor e do reggae. To louco pra entrar num táxi em São Luis e ouvir o melhor do reggae e bater um bom papo com os amigos, regado à muita breja e pinga.
51 é mesmo um número marcante para mim, pois traz muitas boas lembranças (principalmente alcoólicas) de minha adolescência em Floriano. 51 soa bem aos meus doces ouvidos e ao meu paladar, principalmente se vir acompanhada de um suco de frutas natural. Qualquer um.
51 foi o número de vezes que disse "hip!" ao entregar a bendita primeira versão da dissertação no Inpa. Foi o número de vezes que fui e voltei em mim mesmo, até me encontrar numa dessas encruzilhadas que a vida nos leva.
51 passou a ser a minha marca a ser batida. E que desça mais pinga pra nós, regada de muita amizade e boa companhia. Me aguarde, Maranhão e Piauí.

sábado, 20 de novembro de 2010

Açude Mário Bezerra



É com muita nostalgia que lembro do Açude Mário Bezerra, na zona rural do município de Floriano. E hoje, li em http://www.florpi.com.br/ que o mesmo encontra-se totalmente coberto por plantas aquáticas, conhecidas popularmente como aguapés. É realmente uma pena ver algumas imagens do mesmo naquele estado, que poderia ser evitado com a prevenção pelos órgãos responsáveis pelo ambiente.
Essas plantas são oportunistas e aguardam um momento certo para "explodir" sua população. É uma espécie de lei na natureza de oferta e procura, pois se o ambiente oferece recursos suficientes para um grande crescimento populacional, qualquer espécie vai investir ao máximo em sua reprodução. Espécies como Eichornia crassipes resistem muito bem em ambientes altamente eutrofizados (que possuem grande concentração de poluentes) o que poderia ser usado em favor da qualidade da água, pois elas retém (acumulam) esse excesso de nutrientes; mas ao contrário, a grande concentração dessas plantas é um indicativo de que a saúde do corpo d'água em questão anda muito mal das pernas.
Os aguapés indicam debilidade do ecossistema porque essas plantas suportam também grande concentração de metais pesados, que possuem propriedades cumulativas e passam de um nivel trófico mais baixo para o mais alto. Em outras palavras, um peixe que se alimenta dessas plantas, incorpora metais no seu organismo; o homem, por sua vez, se alimenta desse peixe e acaba biomagnificando (acumulando) os metais, que não possuem funções no organismo mais que o mesmo não consegue eliminá-los. Exemplos mais comuns de metais pesados: mercúrio, cobre e chumbo, que sabidamente provocam diversas alterações fisiológicas em seres humanos, inclusive neurológicas.
Esteves (1998) aborda esse problema e relata algumas experiências sobre como enfrentá-los. Já tentaram coisas como garras ou grades para retirar mecanicamente as plantas e herbicidas, mais os resultados não foram satisfatórios, pois nesses dois casos as plantas cresciam no próximo período chuvoso. Nesse último, porém, o caso era mais grave, pois herbicida é um veneno que além de matar as plantas, intoxicam o ambiente lacustre e suas espécies nativas, tanto da fauna quanto da flora.
Entretanto, não é tão dificil conseguir conter o crescimento populacional dos aguapés se forem tomadas algumas medidas de prevenção. É imprescindível que qualquer tipo de efluente (esgotos) não sejam lançados no açude; também, podem ser usadas algumas espécies de peixes para controlar a população por meio da predação. Espécies herbívoras como as carpas (Cyprinus carpio), tilápias (Oreochromis niloticus) e as nativas espécies de piaus (Leporinus spp) são vorazes podadoras de algas e servem como controladores biológicos nesse caso.
Por isso, não seria uma má ideia se pensar num melhor manejo do açude. Seriam contemplados dois importantes aspectos aqui: uma melhor saúde no ambiente (que se reflete em saúde do homem) e o cultivo de alimentos, como o peixe. No entanto, várias investigações precisam ser feitas no açude, como por exemplo, a produtividade primária, levantamentos taxonômicos em todos os grupos de seres vivos e ecologia das espécies nativas. Penso que o pessoal que estuda biologia em nossa cidade poderia dar uma grande contribuição à sociedade, visto que é ela quem banca todos os gastos nas nossas universidades públicas. Falta muita coisa para ser feita em Floriano, em todas as áreas do conhecimento da nossa ciência.

Bibliografia citada:
Esteves, F.A. 1998. Fundamentos de limnologia. 2ed., Interciência, Rio de Janeiro, RJ. 602pp.

Mais uma, menos uma... que diferença faz?


Contruir uma barragem é sim uma coisa séria. Se não fosse, não seria tão burocrático e não afetaria diretamente (e negativamente) uma parcela significante de qualquer localidade. Muito tem se falado a respeito dos prós e contras de se construir uma usina que tem sua produção atrelada à força das águas, mas uma coisa é certa: em nosso país, quem manda mesmo são os interesses por traz.
Vendo assim de longe parece que eu sou mais um com discurso afiado contra tais empreendimentos. Enganam-se. Sou sim totalmente contra diversas burrices que historicamente acontecem. Mais ainda quando todo o dinheiro é indevidamente desviado pra contas daqueles que se dizem representantes dos interesses do povo. Fico indignado, por exemplo, em saber que muita coisa poderia ser evitada com um planejamento mais sério e com mais esmero. Vou dar só dois exemplos então:
1 - Por que os representantes teimam em criar hidrelétricas em bacias que nunca foram tão impactadas quanto serão após a contrução de uma UHE? O caso de Belo Monte, no rio Xingu, é emblemático. Vários são os interesses por traz dos expostos que delatam a verdadeira intensão dos empreendedores. Não cabe aqui, nem vale a pena citá-los. O que vale a pena lembrar é que depois de feito o estrago, nada mais será como antes. Abrem-se precedentes para a total destruição do lugar que as pessoas esquecem se tratar do nosso lar, o nosso hábitat.
2 - Como, e porque cargas d'água, se constroem hidrelétricas em locais onde sequer terminaram uma que já existe? (Digo terminar no sentido de entrega da obra no prazo estipulado pelos documentos que a regem, com todas as exigências cumpridas) Boa Esperança, no Parnaíba é outro emblema dessa aberração que toma conta do dia-a-dia do brasileiro: a corrupção.
A idéia mais inteligente, no meu pornto de vista, seria contruir barragens onde já existe o impacto causado por uma outra já instalada. Já que fomos tão burros em utilizar esse sistema para geração de energia elétrica, que os impactos sejam causados em ecossistemas já conhecidos do ponto de vista ecológico. Torço pra que as usinas no Parnaíba não sejam mais alguns elefantes brancos, como muitos no país. Alea jacta est.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Todas as "Mayaras" são o ponto de interrogação?

Será uma "Mayara" esmagando suas únicas sementes?
Tomara que sim.

Ouço Zé Ramalho nesse momento, um dos maiores ícones da cultura nordestina e brasileira, perguntando e respondendo coisas como “(...) pra que serve o novo? para enfim envelhecer! (...)” como se todos os seres humanos fossem um único “bicho”, destituídos de preconceitos bobos, tal qual o da estimada burguesinha (?) Mayara Petruso, a mais nova celebridade das redes sociais na internet - depois do furor xenofóbico causado por ela no período pós eleitoral. Assim como várias pessoas, que pensam quantas vezes for preciso para não fazer uma grande e irremediável bobagem na vida, tenho certeza que essa garota (que dizem fazer um curso de direito) não representa nem a mínima parte do pensamento desse povo tão ordeiro, trabalhador e hospitaleiro que é o paulista.

Quanta besteira fazemos nessa vida, não é mesmo?... Me fez lembrar da humorista “Dadá” quando disparou algumas das suas contra sua cidade natal (que aliás é minha cidade também!) num programa de entrevistas da madrugada, metralhando sua raiva de infância contra os bordéis (que tem em todo lugar... inclusive ao que tudo indica, ela vive num, lá na Lapa) e a fome que ela diz ter passado. Por fim, todos por lá ainda brincam hoje dizendo que ela merece uma “boa pisa” pra nunca mais falar mal de suas origens e coisa e tal... Coisa nenhuma. Se hoje ela for por lá, garanto que estará tudo guardado a sete chaves no fundo do baú do esquecimento, sem nenhum tipo de rancor.

Mais ao contrário da experiente humorista (oh, yes!), acho que o problema aqui, para a querida burguesinha (?), são os nordestinos e não a região em si. Certamente ela e tantos outros brasileiros xenofóbicos vão, na primeira oportunidade, curtir o sol de verão, as praias, os pescadores sarados, o carnaval e otras cositas mas... É, o nordeste é playground do brasileiro, é sim. E os nordestinos sempre os receberão de braços abertos, pois não há motivos para se fazer girar essa roda da ira que pessoas como ela dispensam energia.

Tenho muitos amigos paulistas e paulistanos que com certeza não comungam de ideias tão esdrúxulas quanto a dessa moça (?). No máximo enchem o saco com nosso sotaque, mais eles entendem que esse é o nosso charme (é igual falar bah! tchê, lá no sul... acho charmoso...). Eles, pelo menos, conhecem um pouco mais sobre as várias regiões do nosso país com dimensões continentais. E por isso, sinto pena de pessoas (?) como Mayara, que infelizmente mostram com essas atitudes que não conhecem absolutamente nada do povo que eles próprios integram. E como alguém dessa estirpe ainda cursa faculdade de direito? Coisas do Brasil minha filha... oxi!

Há pouco tempo, ao dar um livro de presente à uma criança de minha mais alta estima, escrevi a seguinte dedicatória “(...) o saber é a chave que abre as portas de todas as (boas) oportunidades. Por isso, desejo que você construa a sua (...)”. O que eu quero dizer é que, com tudo isso e muito mais, tenho mais certeza que tal desejo procede, pois imaginem se uma pessoa qualquer não souber usar o twitter? (que é uma ferramenta tão difícil!? nossa... são tantos caracteres...) ou o usa como bem entende, tal qual a privada do seu banheiro? Se isso é tão dificil assim, talvez nem mereça (ou consiga) redigir uma petição.

Talvez se pessoas (?) como Mayara soubessem conceitos básicos do bem-viver, não tentariam provocar “guerrinha pra boi dormir” entre povos tão lindos como o nordestino e o “sulista”, o piauiense e o gaúcho, ou entre o Oiapoque e o Chuí... Talvez, pensaria mais no coletivo, lembrando que existe diversos Brasis. Como biólogo, entendo essas cargas genéticas como “fadadas ao fracasso”, visto que nós sempre usamos táticas coletivas para sobreviver nos mais diferentes lugares da Terra, adaptando-se às diversas pressões ambientais; um espécime humano isolado, individualista geralmente não alcança qualquer tipo de sucesso, perdendo a luta contra a seleção natural (grande Darwin!, viva a psicologia!). Agora, só basta saber se as “Mayaras” suportarão a atual pressão interposta pela vida representada aqui pelo singelo twitter. Divirtam-se Mayaras, como diz o Zé Ramalho, vocês são só um gado marcado no genoma da nossa espécie.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Reserva Biológica do rio Trombetas - Pará

  
 Pôr-do-sol na Rebio Trombetas

 
Acima: Podocnemis unifilis - "Tracajá"; abaixo: ninho de tracajá
  
Após um longo período sem internet em "home, sweet home..." (e isso foi mais de um mês), estou de volta com minhas voltas pela Amazônia. O Programa de Pós Graduação em Biologia de Água Doce e Pesca Interior - PPG-BADPI - do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia - INPA, tem em sua grade curricular dois cursos de campo que visam colocar o mestrando ou doutorando em contato direto com a teoria que só vemos nos livros e demais publicações.

Nesse 1 ano e 8 meses de vivência em terras amazônidas, tive oportunidade de participar de duas disciplinas de campo. A primeira fiz no ano passado e se chama "Ecologia de Áreas Alagáveis" e contou com um timaço de doutores capitaneados pelo Dr. Jansen Zuanon. Já nesse ano, fomos à Reserva Biológica do rio Trombetas, entender como acontecem as pesquisas com quelônios da Amazônia na disciplina "Pesquisa, conservação e manejo de Quelônios" de responsabilidade do Dr. Richard Vogt. Essa reserva, que é um verdadeiro santuário de bichos, fica na bacia do rio Trombetas, um rio de águas claras que drena áreas do norte do estado do Pará e possui uma rica biodiversidade, como não poderia deixar de ser no bioma amazônico.

Tudo começou no dia 26 de agosto passado, quando embarcamos no barco Enigma rumo ao estado do Pará. Após contratempos com o gerador do mesmo, saímos entre o dia 27 e 28, navegando quatro longos dias pelo rio Amazonas, até chegar à Reserva Biológica do rio Trombetas - Rebio Trombetas. O objetivo do curso é, sobretudo entender a biologia de cerca de 10 espécies de tartarugas amazônicas, com foco principal em espécies como Podocnemis unifilis (Tracajá), Podocnemis sextuberculata (Iaçá), Podocnemis expansa (Tartaruga-da-Amazônia) e Peltocephalus dumeriliana (cabeçudo).

A Rebio Trombetas existe há mais de 30 anos e tem como finalidade a proteção integral do ecossistema, com estudos e acompanhamento de espécies de quelônios, castanhais, peixes e aves.

Para coletar esses os quelônios, são usadas redes de emalhar com três diferentes tamanhos de malhas. É preciso agilidade para tirar o bicho da rede em pouco tempo, pois se houver demora na despesca eles podem morrer afogados e isso é o que os pesquisadores não querem. Nesse curso também tive a oportunidade de ver que atualmente são empregadas algumas novas tecnologias para monitoramento de espécies, com rádio-transmissores. Isso tem se tornado bastante útil quando os pesquisadores precisam entender os padrões de distribuição ou deslocamento desses bichos numa dada área. Também pude aprender como fazer a biometria desses bichos, que requerem diferentes técnicas para tanto. Em alguns deles, foi preciso tirar uma amostra de sangue para diversas análises.

Mais o ponto principal, no meu ponto de vista, foi entender como ocorre a reprodução desses bichos. Primeiro saber que esses bichos estão entre os mais antigos do mundo e que vivem por décadas a fio; depois, conhecer como as fêmeas de diversas espécies escolhem pontos ideais nas praias para desovar e enterrar seus ovos. O mais legal foi entender como a temperatura no local do ninho influencia diretamente na determinação do sexo nas ninhadas: a partir de uma dada temperatura, só nascerão indivíduos machos ou fêmeas, dependendo da espécie. O sexo determinado pela temperatura (SDT) é um assunto que tem sido amplamente estudado desde quando foi descoberto (Bull & Vogt, 1979), pois durante o desenvolvimento embrionário, a temperatura pode influenciar também várias outras características nos filhotes de répteis, além do sexo.

Só o fato de estar com estudiosos do assunto (inclusive gringos...) num lugar tão rico e belo já valeu a experiência. Vi em mais essa oportunidade, que podemos avançar “aos saltos” na pesquisa no Brasil e principalmente no nordeste. Como diz Joseph Climber “ a vida... a vida é uma caixinha de surpresas”. Só cabe à nós investigarmos a fundo para saber que é mais que isso, é a beleza que pode aparecer descortinada sob nossos olhos. Cabe à nós entendê-la. Entenda-a, não é tão difícil assim.


domingo, 26 de setembro de 2010

Save the planet



Seríamos nós "pulgas" num cão?

Em meio ao turbilhão de falácias oriundas do momento "democrático" pelo qual atravessamos agora, indico o video no endereço da web abaixo nada educativo aos conservadores. Ainda bem que to indo pra campo hoje e ficar longe, bem longe desse barulho que teima em rasgar meus sensíveis ouvidos.
Divirtam-se com o George Carlin. Ah, e a propósito, salvem o Brasil por mim nessas eleições.


http://www.youtube.com/watch?v=X_Di4Hh7rK0

Ecos para um surdo

Ouviram do Mindú às margens fétidas

De um povo porco, heróico e redundante

E os sóis da liberdade em neons túrbidos

Iluminam o palco, a nudez e o indiferente



Ah! Se o senhor dessa desigualdade

Conseguisse disfarçar à mostra o púbis!

Nos seios dela, sem liberdade

Entrega o próprio peito à sua sorte



Oh terra amada, acamada, salve salve!



País de sonhos curtos, seja símbolo

De frente de uma platéia abobada.

Não manche o verde-louro da sua flâmula

Só agonize sem prazer no teu espermático leito



Oh pátria amada, mal gozada, salve salve!

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Caboco sonhador

Caboco sonhador que busca atravessar o universo

Procurando respostas pras perguntas novas de cada dia

Corre atrás também, no homo, ideal consenso

Que vive de melhores sonhos além da boa e pura nostalgia



Caboco do entre-meio, lá das folhagens

Que não é caatinga, nem tão pouco cerrado

Caboco que busca nas mais lindas paisagens

Uma maneira de alegrar de vez o coração calado



Deixe estar só pra ver como é que fica

Não venha com cravo, ouro, incenso ou mirra

Nem todas as demagógicas maravilhas do mundo



Só deixe ficar... pra quem sabe ficar de vez;

Deixe molhar, pra minha e sua terra vencer:

Deixe viver, pra enfim morrer sem lucidez.

Qual a tua teoria?

E haja tanta teoria para o “bem viver”... É como se a vida fosse um jogo de futebol onde tu és a bola?! Ou, seria como se todas as teorias conspiratórias, de repente, fossem incrivelmente extirpadas... O que seria de nós sem elas?

Já visitei os sete reinos, aonde eu tinha que cantar. Já nadei os sete mares com gigantes tubarões-brancos, mantas de raias e as criaturas mais medonhas que há nas profundezas abissais.
Os sete reis, de onde cantei, me ofereceram sete princesas, da mais alta estirpe. Dos sete mares recebi as mais belas visões, e nelas, mergulhei num só fôlego... Profundo foi o mais profundo que pude.

O rei que se chamava de João, foi o mais rude entre os tais:
- Amor, alforria e viola. O que mais tu queres? Indagou.

O rei dos mares foi o mais leal. Disse que de todos os mares, o dele era o mais real. Seu mais pontiagudo dente, de todos os outros, foi o mais belo presente; lembrou:
- Guarda-o contigo, e cortas com ele todas as veias pelas quais passeiam o teu ceticismo e crença. Usa-o quando se tiveres necessidade de saber as mais insanas verdades.

Hoje só conspiro ao sabor do vento e nado com a corrente: pois nela há todo e qualquer bom nutriente, natural hidratante... E é assim que me limpo do “bem viver”: nada digo tudo faço, e como diz o poeta, viajo nas amplidões.

E haja tanta viajem...

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Rios da Amazônia

Rios Negro e Solimões. Imagem 1: Chico Mário

Todo mundo sabe: a região Amazônica é onde se concentra a maior parte da biodiversidade tropical na América do Sul, com diversos micro-hábitats* que permitiram (ou pressionaram) a evolução das formas de vida que ocorreram ou ocorrem por aqui desde os primórdios. O que muita gente não sabe (inclusive eu quando por aqui cheguei) é que existem três tipos de águas que alimentam os grandes sistemas hídricos. E ao que parece, esses ambientes certamente influenciaram de maneira decisiva na distribuição geográfica de várias espécies aquáticas.

Cada tipo de água reflete, sobretudo, características peculiares de sua bacia de drenagem. Os rios de água preta (1), por exemplo, drenam áreas consideradas muito antigas e não carreiam quantidades expressivas de sedimentos. No entanto, esse tipo de rio contém uma quantidade muito grande de ácidos húmicos e fúlvicos, que dão a cor característica a esse ambiente. É como se fosse um "chá de folhas".

Daí, várias consequências podem ser enumeradas: dentre todos os tipos, os de água preta são os mais ácidos, com pH chegando surpreendentemente a 4.0; certamente isso reflete na fauna aquática que abriga e alguns pesquisadores defendem que a miniaturização de algumas espécies de peixes, por exemplos, é reflexo dessa pressão ocasionada pelo ambiente. Não é consenso, mais realmente ai ocorrem mais espécies de pequeno porte que em outros ambientes. Como exemplos de rios com essa característica, cita-se aqui o Negro e todos os rios de sua bacia de drenagem.

Por outro lado, há os rios de água branca (2). Esse nome é dado aos cursos d'água que nascem no sopé da Cordilheira dos Andes. Juntamente por isso, eles possuem uma coloração amarelada, resultado de uma grande descarga de sedimentos (areia, argila e afins) daquela região pelos sistemas hidricos. Esses rios são os chamados "rios de várzea" onde a oscilação do nível dos rios é mais evidente. Como exemplos, o rio Solimões, Purus e Madeira. São importantes rotas migratórias dos grandes bagres amazônicos como a dourada (Brachyplatystoma rousseauxii).

Já os rios de águas claras (3) drenam áreas também relativamente antigas, mas diferente dos de água preta, drenam áreas do escudo central brasileiro. Nesses locais, a luminosidade penetra com mais intensidade que nos demais ambientes, pois eles não carreiam grande quantidade de sedimentos, nem tão pouco possui altas concentrações de ácidos, o que alteraria sua coloração. Por isso, uma maior produtividade primária é conferida a esses ecossistemas, pois há uma maior taxa de fotossíntese por organismos produtores, levando a uma maior diversificação de organismo e, por sua vez, maiores interações entre estes. O rio Xingu, Tapajós (no Pará), Tocantins (imagem 2, fonte: www.gobrasil.net/brasil/tocantinsPOR.shtml) e Araguaia são exemplos de rios de água clara. São considerados atualmente um dos maiores centros de endemismo** na Amazônia

Pelo pouco que conheci desse ambientes, classificaria também o Parnaíba como rio de água clara, levando em consideraçãos aspectos como a turbidez*** de suas águas. Como existe consenso no meio acadêmico de que a Amazônia um dia foi muito mais que o atual limite legal, talvez o Velho Monge estaria incluso nesse tipo. No entanto, mais investigações precisam ser efetuadas para que o Parnaíba seja enquadrado em algum tipo, ou quem sabe, seja até mesmo um ambiente fora dos padrões conhecidos pela ciência.

* Micro-hábitats: ambientes específicos dentro dos ecossistemas. Ex.: corredeiras, cachoeiras, canais dos rios, lagos, bancos de macrófitas, etc. (aquáticos); copa das árvores, montanhas, terra firme, subsolo, etc. (terrestres);
** Endemismo (de Endêmico): significa que uma espécie ou conjunto delas só ocorrem num único lugar;
*** Turbidez (de Túrbido): estado onde a transparência da água é pouca ou inexistente. Usa-se como medida para determinar concentração de sólidos suspensos em meios liquidos.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Entenda um Biólogo...



Biólogo não come, degusta.

Biólogo não cheira, olfata.

Biólogo não toca, tateia.

Biólogo não respira, quebra carboidratos.

Biólogo não tem depressão, tem disfunção no hipotálamo.

Biólogo não admira a natureza, analisa o ecossistema.

Biólogo não elogia, descreve processos.

Biólogo não tem reflexos, tem mensagem neurotransmitida involuntária.

Biólogo não facilita discussões, catalisa substratos.

Biólogo não transa, copula.

Biólogo não admite algo sem resposta, diz que é hereditário.

Biólogo não fala, coordena vibrações nas cordas vocais.

Biólogo não pensa, faz sinapses.

Biólogo não toma sustos, recebe resposta galvânica incoerente.

Biólogo não chora, produz secreções lacrimais.

Biólogo não espera retorno de chamadas, espera "feed backs".

Biólogo não se apaixona, sofre reações químicas.

Biólogo não perde energia, gasta ATP.

Biólogo não divide, faz meioses.

Biólogo não faz mudanças, processa evoluções.

Biólogo não falece, tem morte histológica.

Biólogo não se desprende do espírito, transforma sua energia.

Biólogo não deixa filhos, apresenta sucesso reprodutivo.

Biólogo não deixa herança, deixa pool gênico.

Biólogo não tem inventário, tem hereditário.

Biólogo não deixa herdeiros ricos, pois seu valor é por peso vivo!


3 de setembro, dia do Biólogo.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Muzeu de Zoologia da Usp - Muzusp


Depois de muito tempo sem passear pelo blogue, estou de volta. E em vez de contar peripécias minhas pela Amazônia, vou relatar um pouco de minha ida à capital paulista entre os dias 17 e 21 de agosto. Clique nas imagens para ampliar; as legendas com os nomes de cada espécie estarão no final do texto juntamente com algumas informações, seguindo a ordem aqui apresentadas.
A visita naquele local se deu por motivos de trabalho, pois lá existem várias fontes de pesquisa como por exemplo o Museu de Zoologia da Usp, no Ipiranga, onde fui analisar a fauna de peixes que trabalho e conversar com pessoas que já trabalham nessa área há um bom tempo.

A minha pesquisa gira em torno da taxonomia (identificação de espécies) e distribuição geográfica das espécies de peixes da familia Anostomidae, mais conhecidos popularmente como "piaus" (no norte e nordeste) "piavas" (no sudeste) e "aracus" (na Amazônia). Como se percebe são bichos amplamente distribuídos em toda a América do Sul, mais precisamente de Trinidad até a Argentina.
O nosso trabalho é com as espécies desse grupo que ocorrem numa bacia hidrográfica do estado do Pará, a do rio Tapajós. É um dos grandes rios amazônicos, sendo o quinto maior tributário do rio Amazonas e segundo os estudiosos é um dos lugares com maior biodiversidade de peixes e outros grupos animais e vegetais. Só pra se ter uma noção, esse grupo tem por lá cerca de 25 espécies, uma mais interessante que a outra.
Essas formas viventes variam em tamanho, forma e padrão de coloração, que aliás, é umas das características que definem as diferentes espécies dessa família. São importantes fontes de proteína animal para diversas populações em toda sua área de ocorrência e também na aquariofilia, onde os bichos com coloração mais exuberantes são criados por diversas pessoas no mundo todo. Algumas espécies alcançam cerca de meio metro e já estão sendo cultivadas em alguns centros de piscicultura.
No entanto, uma característica bastante relevante inerente ao grupo, é a sua função ecológica no ambiente aquático. Como elas são onívoras (consomem alimentos de origem vegetal e animal), com tendência à herbivoria, elas são importantes dispersores de frutos e sementes. Algumas dessas espécies habitam diversos ambientes aquáticos, como lagos, canais dos rios, riachos e corredeiras. Nesse último caso, elas merecem uma total atenção pelo risco de extinção por conta das construções de inúmeros empreendimentos hidrelétricos. Várias espécies desses locais não são ainda conhecidas pela ciência e como tais áreas são usadas para aproveitamento hidrelétrico o destino de muitas delas é a extinção.
Bom, mais voltando ao assunto São Paulo, fui ver especificamente seis espécies que não estão na coleção do Inpa e ocorrem naquela área. Assim vou completar as análises, redescrevendo cada uma delas e fazendo um mapa de distribuição para cada uma. Essa é a contribuição que pretendo dar com o meu trabalho, para que assim as políticas públicas ambientais sejam melhor balisadas e as melhores decisões possam ser tomadas em relação ao grupo e ao seu hábitat.
Tive o prazer de conhecer pessoas naquela cidade que não estão escritas no gibi... estudantes de doutorado que comem o pão que o diabo amassou mais que mesmo assim não perdem o bom humor com algumas situações inerentes às cidades grandes do nosso país. Também, cientistas renomados e bastante experientes que levam nas costas a administração do Museu de Zoologia da Usp. O plano atual do Muzusp é o de oferecer pós graduação desvinculado da Usp, assim como ocorre em outros museus pelo mundo afora.

É isso que a Amazônia tem oferecido. E é por isso que tenho lutado com todas as forças para divulgar tudo isso aos meus conhecidos que acham que não têm oportunidade na vida depois de formado na faculdade. Tudo não passa de falta de informação e de busca dos sonhos. Espero estar sendo sensível o suficiente para que algumas pessoas possam também lutar e mudar a realidade da nossa região, que infelizmente carece de profissionais em várias áreas.
Relação das imagens:
1- Estante com algumas espécies no salão de visitas no Muzusp, com destaque para o pirarucu (Arapaima gigas) o maior peixe amazônico, considerado o "bacalhau brasileiro"
2 - Leporinus sextriatus, como o próprio nome sugere, possui seis listras longitidinais ao longo do corpo; grande potencial na aquariofilia, não se conhece exemplares maiores que 15 cm;
3 - Schizodon vittatus, (aracu ou piau de vara) alcança cerca de 40 cm, importante fonte de proteína para aa população ribeirinha e local;
4 - Synaptolaemus cingulatus, vive em ambientes de corredeiras, com adaptações morfológicas para tanto; possui a boca voltada para cima e explora rochas submersas para se alimentar.

sábado, 12 de junho de 2010

Na Marupiara não existe panema


"Sorte na caça e pesca" é o que significa o nome Marupiara. Tanta sorte assim tive eu em conhecer um lugar belíssimo, aqui no coração da Amazônia Central, mais precisamente no município de Presidente Figueiredo, Amazonas. O lugar é uma espécie de Hotel de Selva, e recebe turistas fascinados por natureza, que vão atrás de caminhadas ecológicas em suas trilhas e mergulhos relaxantes na companhia de peixes que só tem por aqui.

Pensando nisso alguns alunos de PCI (Programa de Capacitação Interna) do INPA resolveram investigar a fauna de peixes de diversos igarapés dessa região no sentido de entender seus vários aspectos como, por exemplo, a evolução desses bichos que, ao que tudo indica, têm uma estreita relação com o ambiente.

É nesse lugar que estão peixes bem curiosos da família Crenuchidae (Pisces: Characiformes) que chamam atenção pelas suas grandes nadadeiras. Essa é só uma das tantas adaptações que os bichos devem ter pra enfrentar as fortes corredeiras, que são abundantes na região. Coletamos nesse lugar espécies dos gêneros Characidium, Leptocharacidium e Melanocharacidium (foto) que se adaptaram morfologicamente, sempre mimetizando o ambiente. Como seus locais preferidos são pedrais em fortes correntezas, eles precisam necessariamente de um ambiente muito bem oxigenado, o que significa dizer que se esses lugares não mais existirem, tais bichos estarão fadados à extinção.

Pra coletar esses caras não foi nada fácil, muito menos pra quem não tem tanta experiência que nem eu. Foram empregadas redes de arrasto e por conta da forte correnteza fomos obrigados a enfiar um neoprene pra mergulhar e catar os bichos com redinhas de mão. A idéia também é fazer uma espécie de catálogo com as diversas espécies de peixes daqui para divulgar mais ainda o local. Assim, outras pessoas poderão ter a oportunidade de usufruir do ambiente com mais responsabilidade.

E, como os amazônidas falam, nós não panemanos* dessa vez. Lá na Marupiara é impossivel pra qualquer pescador não pegar nada (risos). Apesar das grandes investidas que nós seres humanos fazemos para que o planeta entre em colapso, a vida sempre nos dá respostas incríveis e na maioria das vezes ininterpretáveis por nosso tão grandioso "arsenal bélico" de conhecimento.

Tentei postar um videozinho do lugar só pra deixar vocês com um pouquinho de inveja, mais infelizmente minha internet aqui é uma piada. É uma riqueza só esse lugar! prometo que vou continuar tentando. Ah, ia esquecendo: na Marupiara tem bar e ambientes temáticos, restaurante e chalés para casais com diária a R$ 130,00. Vale a pena conhecer, sempre há o que fazer na sua excelente infraestrutura.


* panemar, para os amazônidas significa ter azar na pesca

sábado, 5 de junho de 2010

Dia internacional da pátria amada




É nessa data que mais tenho a certeza que um dia internacional disso ou daquilo na maioria das vezes é pura bobagem, ou no mínimo, coisa de alguém que nunca teve o que fazer. Sempre passa um filmezinho na minha mente toda vez que ouço falar de um feriado ou dia comemorativo, e sempre penso o porquê e qual a vantagem de termos um dia tão especial para cada valor que temos. Tipo, um dia das mães, um natal ou alguma coisa nessa linha, certamente tem um significado para a maioria das pessoas com um “enredo”, uma historinha que as fazem refletir e acharem que podem ser melhores que são.


Agora me pergunto o que vamos refletir num dia como o do “Meio Ambiente”. Primeiro, por ser um termo redundante (se é meio, não é ambiente?) e depois por tudo que a espécie humana (dona/autora do valor da data) tem feito em prol do meio onde vive. Depois de pensar um bocado sobre o tema, quis justificar, como ser humano, que de repente isso serve de alerta para uma grande maioria da população que tem acesso a informação mais não faz uso adequado dela por diversos motivos. Do meio pro fim da reflexão, me vi num velório onde o defunto era nada mais nada menos que o planeta (risos).


Parece também um ato heróico de alguém que, por algum motivo, convenceu meio mundo de pessoas a lembrar que o nosso hábitat é algo concreto, que existe de fato. Entretanto, não creio que temos muita coisa a comemorar. Todos estão carecas de saber que nós (Homo sapiens) somos os principais causadores de problemas ambientais gravíssimos, como por exemplo, a poluição e a extinção de grande parte da fauna e flora contemporânea. Fiquei, no entanto, viajando e imaginando como nossos amiguinhos da megafauna sucumbiam diante de uma organização tão eficaz quanto a nossa, apesar de sermos tão menores que eles... É a lei do mais forte, já dizia também Darwin.


Só que a organização do nosso Homo primitivo (se assim posso chamar) contrasta gritantemente com a atual, no meu modo de pensar. Hoje temos carne no açougue pra comprar (e por peça ein!) arroz, feijão e milho enlatado, além de otras cositas más que são gostosas. No Brasil, temos ainda samba (que adoro!), mulheres lindas (nossa, quanta riqueza!) e toda essa riqueza biológica debaixo de nossos narizes. Mas, o mais legal disso tudo é que temos futebol! E é aqui que, de quatro em quatro anos, nós somos tão patriotas quanto cuidamos do nosso ambiente. Legal né?


O ser humano é sim um bicho muito interessante e quando ele quer, faz. Não é a toa que chegou a lugares tão inóspitos, apesar de não ser tão bem adaptado quanto achamos. A prova disso tudo, é só ir ao bairro Coroado, aqui em Manaus ou a tantos outros lugares Brasil afora, onde a paisagem atual foi rapidamente modificada em tons de verde-louro de nossa flâmula. E os carros? Cada um deles tem uma bandeirinha tremulando na anteninha, muito bonitinho. Tão bonito quanto a fumaça não catalisada de alguns caminhões que também têm tal adereço.


É isso ai. No final das contas “Meio Ambiente” se torna, em todos os sentidos, tão ridículo e hipócrita quanto o nosso patriotismo. Salve a pátria amada!

domingo, 23 de maio de 2010

Peixe, peixinho e peixão


A criação e manejo de pescado é uma atividade que tem crescido muito no Brasil. Mesmo com um consumo muito abaixo da média, comparado com vários países, (10 Kg/pessoa/ano na América Latina, dados da Fao) várias pesquisas apontam que o brasileiro está mudando seus hábitos alimentares, e consumindo mais alimentos que fazem bem à saúde.

Na Amazônia o quadro é totalmente diferente: devido à grande fartura e oferta de diversas espécies de peixes nativos, os amazônidas consomem cerca de 55 Kg/pessoa/ano (ao passo que em países como a Noruega e Finlândia as pessoas consomem até 70 Kg por ano). Tem até um jargão popular que diz "quem come jaraqui não sai mais daqui" em referência ao consumo de um peixe da famila das curimatãs bastante apreciado na região. E é muito comum ver nos mercados municipais várias outras espécies sendo vendidas em qualquer época do ano, garantindo sobretudo, a sobrevivência de inúmeros feirantes.

Comer peixe é bom e faz bem. O produto é rico numa substância chamada de Ômega 3, importante na redução de ácidos graxos considerados ruins para a saúde, como o LDL (o colesterol ruim) e outros triglicerídeos. Além disso, ele é importante em processos inflamatórios, por atuar também na formação de anticorpos.

Por isso, de meados da década de 1980 pra cá, muitos pesquisadores atentaram para a iminente guinada na produção de pescado em nosso país. Também, é fácil entender, pois temos inúmeras espécies com enorme potencial comercial. Em minha atual passagem pela Amazônia, tive o prazer de conhecer várias etapas da cadeia desse ramo produtivo, que se inicia na alevinagem (produção de alevinos) e termina na engorda e venda. O Inpa - Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia - toca vários projetos com produção de pescado que têm beneficiado dos pequenos aos grandes produtores. Atualmente, os pesquisadores do instituto tem um grande desafio: entender como o pirarucu (Arapaima gigas) pode ser induzido a se reproduzir em cativeiro.

Inúmeros pesquisadores estão envolvidos nesse projeto, mas enquanto as respostas para as diversas perguntas não são alcançadas, outras espécies já figuram com ótimas condições de produção e tradicionalmente já fazem parte da rotina de uma piscicultura. Uma delas, o tambaqui (Colossoma macropomum) é amplamente difundida nas fazendas de peixe da Amazônia e de todo o Brasil, inclusive com espécies híbridas.

Numa das visitas técnicas promovidas pelo curso, pude ver na pratica como funciona o processo de alevinagem em tambaquis. Foi na fazenda Santo Antônio, no município de Rio Preto da Eva-AM, onde o MSc Alexandre Honczaryk nos mostrou detalhes de como obter bons alevinos para engorda. O video abaixo pode exemplificar como ocorre a extrusão de ovócitos e espermatozóides para a fecundação e posterior encubagem dos ovos. Foi um momento mágico ver a vida surgindo com uma ajudinha nossa.

Outra iniciativa importante diz respeito à criação de matrinchã (Brycon sp.) em canais de igarapés. Dessa maneira, pequenos produtores podem com pouca estrutura e espaço, produzir o pescado de forma sustentável. Funciona assim: o igarapé de terra firme (ou riacho, como conhecemos) é canalizado por no máximo 30 metros, onde o fluxo da água é controlado por uma espécie de desvio do seu curso principal. O viveiro é então montado num dos leitos do canal com tábuas de madeira e a água corrente se encarrega de fazer a ciclagem dos nutrientes que são lançados no sistema. Vale lembrar que no estado já existe legislação para isso, apoiado em pesquisas sobre produção primária desses ambientes. Por lei, uma distância mínima de 90 metros entre viveiros é o bastante para que o ecossistema não sofra com a entrada excessiva de nutrientes.

Estar na Amazônia é isso. É ter a oportunidade de debater com colegas sobre as questões mais relevantes que dizem respeito ao bem estar do homem e da natureza, respeitando os limites da vida. É mais que isso. É olhar pra frente e perceber que estamos no caminho certo, mesmo que os descaminhos da vida nos levem pra outras trincheiras.



domingo, 16 de maio de 2010

Luto



O incêndio ocorrido ontem (15/05) na coleção de serpentes, aranhas e escorpiões no Instituto Butantã, em São Paulo, tem causado diversos tipos de reações entre os cientistas de todo Brasil, quiçá do mundo. Não é à toa. A coleção herpetológica e centenária do Instituto era a maior do país e uma das maiores do globo. Um misto de revolta, angústia e luto. Isso mesmo, Luto.


Cerca de 80 mil espécimes foram totalmente incinerados, interrompendo um ciclo iniciado pelo Dr. Vital Brazil e colaboradores, continuado atualmente por centenas de graduandos e pós graduandos que utilizavam o local para coleta de dados. Sim, dados esses que a sociedade como um todo era beneficiada, pois as pesquisas realizadas pelos leais cientistas das “causas justas” sempre buscavam encontrar respostas aos problemas mais reais que a humanidade enfrenta.


Não tenho real conhecimento de causa, mas creio que a grande maioria das coleções, encerradas nas diversas instituições de ensino e pesquisa do nosso país, enfrentam grave problema estrutural. Pequenos espaços, falta de material de consumo e humano, e o principal: falta de segurança.


Chato ter que ouvir uma noticia dessas, justamente por não haver um planejamento prévio com foco na segurança do nosso patrimônio, e das pessoas, é claro. Mais uma vez o Brasil vai figurar lá fora como um país que não tem zelo pela biodiversidade, mesmo gritando aos quatro ventos que ela é nossa e ninguém tasca.


Estou envergonhado por nossos representantes políticos, não por termos uma das maiores diversidades do mundo. Culpa é termos uma das maiores diversidade do planeta? Que pergunta mais cruel que me abateu agora.


Assim, me pergunto com muito medo, como é, ou será, a administração de uma das maiores faunas que temos (em proporções mundiais). Eu falo da fauna de peixes que segundo Lévêque et al., (2008) somente na região Neotropical, existem cerca de 4 mil espécies, e se levarmos em consideração que a área do Brasil é aproximadamente 50% dela, vamos ai com 2 mil, o que corrobora com Buckup et al., (2007) que afirmam ter 2.587.


Imaginei, e ao mesmo tempo deletei da memória, esse incêndio acontecendo em coleções de peixes, com tantos holótipos (exemplar oficial da espécie) de espécies que já foram pras cucuias. E mais, com tantos empreendimentos hidrelétricos atualmente em vista que certamente extinguirão outras tantas. Ou seja, elas só iriam existir numa coleção, o que infelizmente ocorreu no Butantã. Isso sim é motivo de luto.



Literatura citada:


Buckup, P.A.; Menezes, N.A. & Ghazzi, M.S. 2007. Catálogo das espécies de peixes de água doce do Brasil. MNRJ, Rio de Janeiro, RJ. 195pp.


Lévêque, C; Oberdorff, T; Paugy, D.; Stiassny, M.L.J.; Tedesco, P.A. 2008. Global diversity of fish (Pisces) in freswater. Hydrobiol.,
595:545-567.

O Delta do Parnaíba é destaque em matéria de 'O Estado de S. Paulo'



Antes de vir pra Amazônia, mais precisamente em junho de 2008, eu estive no Delta do Parnaíba. De beleza ininarrável e estonteante, esse lugar, além de outras coisas, me fez enxergar o biólogo, naturalista e apaixonado pela natureza que sou. Peixes, aves, répteis e plantas que, em sua grande maioria são endêmicas (que só existem lá) me fascinaram enormemente. Sem contar o meio físico, com geografia recortada, rios e praias lindíssimas. Pela primeira vez, tive a oportunidade de ver, numa só visão panorâmica, três estados da nossa federação: Maranhão, Piauí e Ceará... Eu explico: no passeio ao Delta, a embarcação sai do Porto de Tatus, na Ilha Grande de Santa Isabel para uma das ilhas, a dos Poldros. De lá, já em território maranhense, pode-se observar os cerca de 66 Km de litoral piauiense e a Serra da Ibiapaba ao fundo, no Ceará. A seguir uma reportagem publicada no portal 180 graus que procura divulgar esse lugar muito pouco conhecido do nosso país. Várias empresas da cidade de Parnaíba-PI, são especializadas no passeio, vale apena conferir.


Com informações do Estado de São Paulo
Edição de Fábio Carvalho.

Revoadas de guarás, praias exclusivas e uma refeição à base de [br]caranguejos permeiam a navegação pelo Delta. Vistas no mapa, as mais de 80 ilhas do Delta do Parnaíba, no litoral do Piauí e do Maranhão, parecem pecinhas espalhadas de um quebra-cabeça. Mas é percorrendo esse labirinto de igarapés que se conhece de perto a rara beleza de suas dunas, manguezais, lagoas de água doce e praias desertas. Rara porque é um dos três deltas do mundo que deságuam em mar aberto - como ele, somente o Nilo, na África, e o Mekong, na Ásia.

Partindo de Tutoia, no Maranhão, ônibus de linha levam até Parnaíba, já no Piauí. Trata-se da maior cidade da região e a segunda maior do Estado, atrás apenas de Teresina. Um passeio interessante é pelo Porto das Barcas (foto), região de casarões históricos dos século 18 e 19 às margens do Rio Igaraçu, repleto de restaurantes, bares e lojas de artesanato. Para relaxar, a pedida é a Praia da Pedra do Sal, distante 15 quilômetros do centro e com acesso fácil por ônibus de linha.

A praia é famosa por sua geografia peculiar. Separada ao meio por um paredão de rochas que avança sobre o mar, tem, de um lado, águas tranquilas, repletas de barcos de pescadores. Do outro, as ondas batem forte, ideais para o surfe. Se tiver mais tempo, experimente o roteiro de jipe que parte da Pedra do Sal rumo ao litoral oeste.

A verdadeira estrela, no entanto, é mesmo o Delta - há passeios diários para a região na alta temporada, mas na baixa há lanchas e catamarãs apenas aos sábados. Ilha Grande de Santa Isabel, a maior delas, é também o ponto de partida das voadeiras. A cada virada nas curvas dos igarapés, uma paisagem nova se descortina. Mas é preciso ficar atento para perceber os detalhes.

Camuflados entre os troncos retorcidos das árvores do manguezal, jacarés permanecem imóveis. Macacos-prego brincam de se esconder nos galhos aéreos. E surgem tamanduás, lagartos, capivaras e cobras, que o barqueiro experiente vê de longe. Os caranguejos-açu se destacam pelo vermelho da carapaça.
No fim da tarde, revoadas de guarás tingem o céu de vermelho em direção à Ilha do Caju - a cor da plumagem se deve a uma alimentação à base dos caranguejos-açu. As aves, típicas da região, estão quase extintas. Pelo rio, que separa Piauí e Maranhão, chalanas deslizam vagarosamente enquanto pescadores seguem em barquinhos lotados de peixes e crustáceos.

Algumas ilhas são habitadas, outras, desertas, cobertas por dunas gigantes, como na Baía do Feijão Bravo. Se fechar os olhos, é possível ouvir o som do vento. De março a maio, formam-se lagoas de água doce entre as dunas. Atravessar essas enormes montanhas de areia leva a uma praia extensa e exclusiva.

Iguaria. Se a fome bater, peça ao barqueiro para fazer uma parada estratégica na Ilha das Canárias e experimente o tal do caranguejo-açu. No Restaurante Recanto dos Pássaros a travessa, chamada de corda, vem com quatro grandes crustáceos, acompanhada por farofa e vinagrete, por R$ 8. Com um martelo de madeira em mãos, vá saboreando a carne branca e macia sem pressa.

Para acompanhar, peça a cajuína, bebida doce que é o símbolo do Piauí. Já com o estômago forrado, aproveite para fazer a digestão tirando uma boa soneca nas redes espalhadas. Depois, curta a paisagem: do alto de uma casa em uma das árvores do restaurante a vista é incrível. O passeio dura em torno de 4 horas.

Fonte: http://180graus.brasilportais.com.br

domingo, 2 de maio de 2010

A sobrevivência da cultura crítica no Brasil



Reproduzo aqui, na íntegra, um ponto de vista sobre os caminhos que a nossa cultura vem trilhando nos últimos anos. Não é facil, no meu pouco entender, caracterizar uma problemática tão séria como a evidenciada no texto, mas acho interessante revermos conceitos e aprimorarmos nossa maneira de pensar o mundo através de exemplos práticos, oriundos do nosso cotidiano.
Boa leitura.


Por Gabriela Moncau (*)

O que é mais preocupante é a questão da opinião no Brasil. Porque copiamos todo o modelo americano de vida, o consumo, o livre mercado, mas uma coisa que não pegamos, o direito pleno de se expressar.

A frase é de André Dahmer, 35, consagrado desenhista da nova geração dos quadrinistas brasileiros, em entrevista à Caros Amigos na edição de abril. O carioca é autor das tirinhas dos Malvados, que, com um traço simples, fazem uma feroz crítica ao cotidiano da sociedade capitalista, ironizando principalmente o consumismo e o individualismo. Além dos dois personagens dos Malvados, o cartunista ficou famoso com séries de tirinhas como “Cidade do medo”, sobre violência, “Apóstolos, a série”, que narra a história de Jesus fazendo críticas à Igreja Católica e Emir Saad, o ditador sádico e egocêntrico do reino Ziniguistão.

Em seu blog, a seção sobre o autor se limita a descrições como “nenhuma cárie no dente, nenhum osso quebrado. Sobreviveu a um afogamento em Ipanema. Gosta de números, odeia aviões”. Paulo Lins, escritor de 51 anos, também do Rio de Janeiro, do bairro de Santa Teresa. Iniciou na literatura como poeta, na década de 1990 se dedicou à pesquisa antropológica sobre a criminalidade e as classes populares, publicando em 1997 sua grande obra que levou o nome do violento bairro da periferia carioca em que viveu, a hoje famosa – por conta da versão cinematográfica da obra - Cidade de Deus.

Atualmente, além de estar terminando o roteiro do filme Faroeste Caboclo, baseado na música de Renato Russo, trabalha no seu novo livro, Desde que o samba é samba é assim, romance sobre uma professora universitária de classe média baixa que pesquisa a história do samba. Cada um a seu modo, representa importantes expressões culturais que escancaram a realidade brasileira.

Dahmer, com seus ácidos quadrinhos, e Lins, representando a literatura de alguém que veio de dentro da periferia, conseguiram achar brechas dentro da sólida cultura hegemônica justamente para criticá-la. O cartunista, porém, chama a atenção para a capacidade de incorporação da sociedade do consumo: “A propaganda sobrevive com uma agilidade enorme, transforma ações inicialmente contra ela a seu favor. A propaganda sabe que consumidor é que nem barata, você vai inventando um veneno mais forte para matar e elas vão se adaptando”.

Mas, afirma que se garante: “eu não tenho problema de recusar trabalho não, confio muito no sistema que eu montei para viver de maneira mais independente”, conta Dahmer. Para Paulo Lins, que também recebeu a redação da Caros Amigos na sua casa esse mês, um dos motivos pelos quais justamente conseguiu seguir uma linha alternativa ou contra-hegemônica em seu trabalho é o interesse que o público tem pela tema da violência urbana. “Uns três anos antes de lançar o livro [Cidade de Deus], teve um político, Moreira Franco, que disse que iria acabar com a violência em seis meses, ele se elegeu assim. Imagine a pressão. Então, quando sai um livro desse com uma visão interna, de uma pessoa que viveu, que morou na favela, como eu, o interesse era quase natural”, relata.

Mas não é todo mundo que consegue sobreviver em meio ao mercado cultural brasileiro, controlado pelos mesmos que pautam não só a política como o modelo econômico que a sustenta: as grandes corporações, nacionais e transnacionais. Há muito tempo que a arte perdeu sua viabilidade financeira. Fazer arte não dá lucro. Mas, numa sociedade pautada pela divisão do trabalho, como podem sobreviver os trabalhadores da arte sem se submeterem aos desmandos de um sistema interessado em tratar a cultura como mais uma mercadoria? O Ministro da Cultura Juca Ferreira acredita que “a cultura brasileira não precisa de uma política de preservação”. Mesmo que na entrevista também publicada neste mês pela Caros Amigos ele tenha se pautado exatamente por proposições protecionistas ao cinema mais adiante, suponhamos que de fato a cultura brasileira se garanta de influências estrangeiras. Não é esse o debate.

A questão é como garantir a sobrevivência da cultura sem que ela tenha que se enquadrar à lógica do mercado, de maneira a garantir sua produção e difusão entre a população brasileira. Por mais que os discípulos de Margareth Thatcher, entrincheirados na situação e na oposição, contestem, no âmbito do capitalismo não parece haver outra alternativa que não a intervenção estatal através de políticas públicas. O Ministério da Cultura tem tomado tímidas medidas quanto a isso.

O Vale Cultura, por exemplo, que funcionará como um Vale Refeição, um cartão magnético que será disponibilizado para que o trabalhador reverta R$ 50 em livro, CD, espetáculos, museus ou outras atividades culturais, parece ser algo interessante, apesar de não ter ainda previsão pra ser posto em prática. O próprio ministro, porém, revela que achou melhor não aumentar o valor do vale para que o processo burocrático para sua aprovação não seja retomado: “O presidente Lula me autorizou a dizer que acha que R$50 é pouco e se o Congresso aprovar uma ampliação desse recurso para R$ 100 que ele sancionará essa lei com alegria. Eu disse a ele ‘não vamos propor rever esse total, se não teríamos que começar tudo de novo’”, afirma.

Como apontou a edição especial da Caros sobre a Direita Brasileira, quem decide o que é cultura hoje no Brasil é a iniciativa privada. E pior, o faz através de isenção fiscal, com dinheiro público, prática consagrada pela criticadíssima Lei Rouanet. Dos 1,2 bilhão de reais investidos em cultura pelo poder público brasileiro, 90% são oriundos de renúncia fiscal. Juca Ferreira, na entrevista, aponta seus limites e debate de que maneira essa lógica pode ser superada. Enquanto ela não é, a crítica de arte e professora aposentada da Faculdade de Letras da USP Iná Camargo Costa define a disputa de recursos de incentivo fiscal como “briga de cachorro grande disputando dinheiro do Estado para fins de acumulação”.

Assim, os cachorros grandes para os quais o Estado tem transferido a responsabilidade de produção cultural, com a evidente intenção de oferecer eventos para o seu público consumidor, não raras vezes promoverão atividades culturais cujo acesso será para quem tenha no bolso bem mais que um Vale Cultura. Como Dahmer, Lins e tantos outros evidenciam, porém, a barreira da cultura hegemônica não é inquebrável. Afinal, como define Theodor Adorno, “a cultura, como aquilo que aponta para além do sistema de conservação da espécie, inclui um momento de crítica a todo o existente, a todas as instituições”.

(*) É estudante de jornalismo e articulista de Caros Amigos.

Fonte: www.ncpam.com

terça-feira, 27 de abril de 2010

Maior aquífero do mundo



Lucy Rodrigues
Especial para A CRÍTICA

Além da maior biodiversidade, a maior floresta tropical úmida e o maior depósito mineral do planeta, a Amazônia deteria também o maior manancial de água subterrânea do mundo. A descoberta do aquífero Alter do Chão, localizado entre os estados do Pará, Amazonas e Amapá, foi anunciada há duas semanas por pesquisadores da Universidade Federal do Pará (UFPA). Ela vale, no mundo de hoje, mais que a descoberta de um poço de petróleo.

Fizemos um cálculo com dados preeliminares e estimamos que a reserva de água mínima desse aquífero seja de cerca de 86 mil quilômetros cúbicos de água. O volume daria para abastecer toda a população mundial por 400 anos”, afirmou um dos coordenadores da pesquisa pela UFPA e doutor em geologia, Milton Matta.

Apesar de não ser tão extenso em termos de área, o novo aquífero Alter do Chão possui quase o dobro do volume do aquífero Guarani, localizado entre o sul do Brasil, Argentina e Uruguai, e, até então, considerado por vários pesquisadores o maior do mundo. “O Guarani tem o volume de calculado em torno de 45 mil quilômetros cúbicos de água, quase a metade do volume do Alter do Chão”.

A importância estratégica da nova descoberta para o País é enorme, segundo o coordenador da pesquisa. “Enquanto o Gurani fica em solo interfronteiriço, o que dificulta sua gestão, o aquífero de Alter do Chão está totalmente em solo brasileiro. Além disso, o primeiro tem uma vulnerabilidade ambiental maior, ou seja, pode ser mais facilmente contaminado devido ao seu conjunto de rochas vulcânicas fraturadas. O Alter do Chão está mais protegido por camadas de argila”.

O especialista afirma ainda que enquanto o Guarani possui águas mais profundas, o que exigem perfurações de poços acima de mil metros, no Alter do Chão a água está mais próxima, acima de 300 metros, tornando o processo de perfuração mais barato. “Imagine o benefício para um conjunto de cidades da Amazônia que hoje estão sendo abastecidas com água superficial, que é muito mais cara e também não tão límpida quanto a subterrânea”.

Pesquisa continua

Além do professor Milton Antonio Matta, a pesquisa é coordenada pelos professores Francisco Matos de Abreu, André Montenegro Duarte, Mário Ramos Ribeiro, da (UFPA), com a participação do professor Itabaraci Cavalcante (UFC). O estudo se encontra em sua fase preliminar e necessita ter continuidade, o que o grupo tenta viabilizar por meio de parcerias que estão sendo buscadas em diferentes instituições.

“Precisamos de financiamento para dar continuidade ao trabalho. Para o aquífero do Guarani, que já está bastante estudado, foram gastos US$ 30 mi. Queremos apenas US$ 5 mi para fazer o estudo completo de uma descoberta tão estratégica para o País e o mundo”, afirmou Matta.

O especialista critica a falta de investimentos para pesquisas no Norte do País. “Somos a região que mais tem o que se estudar, no entanto, quando elaboramos um projeto como esse e vamos captanear recursos, dizem que não é prioridade, pois o Nordeste e o Sudeste sofrem mais com a falta d’água. É um contrassenso”.

domingo, 25 de abril de 2010

Avisa que estão matando o mindu!



A crônica abaixo se refere à um igarapé (riacho) que passa de frente à minha casa, no bairro Aleixo, aqui em Manaus... Vale a pena ler, pois se trata de uma realidade aqui e em qualquer canto do nosso imenso Brasil.

José Ribamar Bessa Freire
25/04/2010 - Diário do Amazonas

Quinta feira, 22 de abril. Oito horas da manhã. Toca o telefone. Atendo. Ligação interurbana. É de Manaus. A voz de alguém que não conheço geme, angustiada, do outro lado da linha, pedindo socorro:

- Estou agorinha presenciando um assassinato daqui da janela da minha casa, no Parque Dez!! Eu, minha mulher e minha netinha!!!

Alarmado, aconselho que chamem a polícia. Justifico minha omissão:

- Moro no Rio de Janeiro. Não posso fazer nada.

- Pode sim! Pode escrever. Escreve. Avisa que estão matando o Mindu. Denuncia o crime. Dá o nome dos bandidos – segredou a voz, num cochicho, como se temesse ser ouvida.

Depois, continuou descrevendo, lance por lance, o que via através da janela indiscreta. Narrativa tensa, cheia de suspense, como num filme de Hitchcock. Transcrevo o que ouvi, na esperança de que os criminosos sejam identificados e punidos. Duvido, no entanto, que a violência contra desconhecidos, hoje tão banalizada no Brasil, possa comover alguém.

Afinal, quem é que está preocupado em saber se um tal de Mindu está morrendo num bairro de Manaus? Azar o dele! Se a vítima fosse uma celebridade, vivesse na Islândia, se chamasse Eyjafjallajoekull e cuspisse fogo, vapor e fumaça preta, zoneando assim o tráfego aéreo, o mundo inteiro se agitaria. Mas Mindu, o inofensivo? Quem é Mindu no jogo do bicho? Ninguém sabe.

Parque Zero

Ninguém, vírgula! Os manauaras sabem. Conhecemos o Mindu, o maior igarapé da área urbana de Manaus. Ele nasce numa floresta próximo ao Jardim Botânico Municipal e atravessa toda a zona leste da cidade, num trajeto de mais de 20 quilômetros, correndo por um leito pedregoso. Vai se juntando a outros igarapés até desaguar no Rio Negro. Durante décadas, abrigou muitas espécies diferentes de pássaros, insetos, mamíferos, répteis, tartarugas e plantas e deu água fresca aos abundantes buritizais que, em troca, lhe proporcionavam sombra.

Sombra e água fresca: o Mindu era isso. Era quase um paraíso. Em uma de suas margens, terminava a cidade, em outra começava a floresta. De um lado, o bicho urbanóide. De outro, o bicho do mato. Foi ali, naquela região de fronteira, que suas águas foram canalizadas, em 1938, para formar uma piscina natural. O balneário, onde aos domingos as famílias faziam piquenique, foi batizado como ‘Parque Dez de Novembro’.

Hoje, poucos sabem as razões do nome. Era uma homenagem à data do golpe. Um ano antes, 10 de novembro de 1937, Getúlio Vargas fechou o Congresso Nacional, suprimiu as liberdades democráticas, instaurou censura férrea e prendeu e torturou os opositores. Dessa forma, o interventor no Amazonas, Álvaro Maia, puxava o saco do criador do Estado Novo.

Durante algum tempo, o Parque Dez e a boate Acapulco foram os últimos bastiões urbanos. Dali, saía uma estradinha de terra, carroçável, conhecida como V-8 (atual Efigênio Sales), acompanhando o sentido do igarapé, ao longo do qual se situavam pequenas chácaras transformadas em balneários ou ‘banhos’, como a gente chamava. Havia, entre tantos outros, o ‘Pecos Bill’, o ‘Tucunaré’ e ‘As Pedreiras’, da dona Dirce Ramos, viúva rica, que a repassou aos padres redentoristas.

Suas águas, onde meu irmão de dois anos morreu afogado, eram límpidas, cristalinas e potáveis. Mas depois do golpe militar de 1964, a censura impediu criticas ao modelo econômico dominante, que se lixava para o meio ambiente. Foi quando a Companhia Habitacional do Amazonas (COHABAM) construiu com recursos federais o conjunto residencial Castelo Branco – nome dado em homenagem ao marechal ditador. Manaus tinha, então, uns 300 mil habitantes. Aí começou a lenta agonia do Mindu.

Se o Mindu falasse

De lá para cá, a cidade cresceu. A mata foi devastada. Dezenas de novos bairros surgiram sem uma política ambiental e de saneamento básico. As residências passaram a despejar seus dejetos no leito do igarapé, transformando-o num fétido esgoto a céu aberto. A feira do bairro Amazonino Mendes joga nele todo seu lixo. A criação, em 1992, do Parque Municipal do Mindu, como área de interesse ecológico, foi uma tentativa de preservar o último refúgio verde do bairro. Mas o Mindu, “um rio que passou em minha vida”, já estava ferido de morte.

Para tentar salvá-lo, o então prefeito de Manaus Serafim Correa (PSB) aprovou, em 2007, o Projeto de Revitalização do Mindu, com a criação de estações de tratamento de esgoto e de um corredor ecológico. O objetivo era, de um lado, evitar que as suas nascentes fossem ocupadas, e de outro, transformar em área de lazer o espaço do parque. Pouco antes de sair da Prefeitura, garantiu, em 2008, um contrato de 128 milhões de reais, para realizar a obra pelo PAC- Plano de Aceleração do Crescimento.

No entanto, o atual prefeito de Manaus, Amazonino Mendes (PTB - vixe, vixe!) engavetou o corredor ecológico e decidiu substituí-lo pela construção de uma pista às margens do Mindu, seguindo o exemplo da Marginal do Tietê, em São Paulo. O Ministério Público Federal entrou com ação na Justiça, tentando recuperar o projeto original e, com ele, uma sobrevida para o Mindu. Até hoje, ninguém sabe o destino dos recursos, porque “desde que assumiu, Amazonino não divulga os gastos da Prefeitura”.

De qualquer forma, o crime que o leitor viu, de sua janela, ao lado da esposa e da netinha, quando se celebrava o Dia Mundial da Terra, dá a dimensão de que a estupidez humana não tem limites. Ele viu tratores, caminhões e caçambas trafegando pelas ciclovias, pelos gramados e pelo calçadão, que agora servem de lixeira para entulhos das obras, com muita sujeira, lama, poeira e lixo. Parece uma praça de guerra. Tudo em nome da especulação imobiliária e do lucro rápido.

Com 66 anos, aposentado, a testemunha do crime não se conforma com a agressão ao Passeio do Mindu, onde podia andar e se divertir com a neta. Ele fotografou o processo criminoso: são mais de duzentas fotos nos últimos anos. O Mindu, hoje, como Itabira, é apenas um retrato na parede. Mas como dói! Nós e nossos filhos pagaremos caro por esse crime, se o poeta Thiago de Mello tiver razão, quando diz que não é só quem brinca com fogo que se queima. Quem polui a água, acaba se afogando no lodo, na cinza e na merda.

Mindu´u em língua guarani, significa mastigar, comer devagar, ruminar. O Mindu, em sua agonia, está ruminando. O quê? A reposta é dada pelo poema abaixo de Javier Heraud (1942-1963), o poeta-guerrilheiro peruano, que morreu aos vinte anos, baleado numa balsa no rio Madre de Dios, afluente do Beni, que deságua no nosso rio Madeira. Dois anos antes de morrer, aos 18 anos, publicou seu primeiro livro – El rio. Reproduzo aqui para os leitores um pequeno trecho do poema.

1
Yo soy un río,
voy bajando por
las piedras anchas,
voy bajando por
las rocas duras,
por el sendero
dibujado por el viento.
Hay arboles a mi
alrededor sombreados
por la lluvia.
Yo soy un río,
bajo cada vez más
furiosamente,
mas violentamente
bajo
cada vez que un
puente me refleja
en sus arcos.

2
Yo soy un río
un río
un río
cristalino en la
mañana.
A veces soy
tierno y bondadoso. Me
deslizo suavemente
por los valles fértiles,
doy de beber miles de veces
al ganado, a la gente dócil.
Los niños se me acercan de
día,
y de noche trémulos amantes
apoyan sus ojos en los míos,
y hunden sus brazos
en la oscura claridad
de mis aguas fantasmales.

3
Yo soy el río.
Pero a veces soy
bravo
y
fuerte,
pero a veces
no respeto ni la
vida ni la
muerte.
Bajo por las
atropelladas cascadas,
bajo con furia y con
rencor,
golpeo contra las
piedras mas y mas,
las hago una
a una pedazos
interminables.

4
Los animales
huyen,
huyen huyendo
cuando me desbordo
por los campos,
cuando siembro de
piedras pequeñas las
laderas,
cuando
inundo
las casas y los pastos
cuando
inundo
las puertas y sus
corazones,
los cuerpos y
sus
corazones.



Fonte: http://www.taquiprati.com.br/cronica.php?ident=858