segunda-feira, 18 de maio de 2015

Dadaísta

Céu mais azul que esse não há.
Talvez o anil do mar, o canto do sabiá...
As nuvens até teimam em nublar
Mas elas são tão pequenas
Que parecem a dor que tive outrora,
de um tempo passado que não me volta mais.

Esse céu é mais que anil...
Ele hoje, para mim, é mais de mil.
Mil sonhos, mil noites, mil roubos.
E apesar da noite ser truva e ladra
hoje parece que o meu céu uniu-se à terra.
Mesmo com a brisa loira da relva a me sorrir
ainda sinto mais vontade de estar assim.
Esse, com certeza, é o meu céu,
o mais bonito que eu já vivi.

Ainda hoje eu vi uma flor no céu.
Com pétalas feitas de nuvens,
entremeadas de azul e branco,
era a sombra da minha felicidade.

E agora estou eu aqui, de volta
fazendo coisas sãns loucas e vive-e-versa.
Talvez só estivesse cansado de dar satisfações.
E a primeira estrela no céu surgiu!
Entre o anil-truvo do crepúsculo...
Entre a relva da mata,
entre eu e a copa da cajá

bem lá no fundo do meu quintal.

quinta-feira, 7 de maio de 2015

Vento que sopra em mim

No céu azul-anil que vejo, me perco em meus pensamentos...
Vejo folhas caindo ao vento, soprando leve sobre mim.
Olho ao fundo e vejo cercas, muros altos que me isolam;
olho dentro e vejo tudo, chuva e sol que me transborda.

O meu hábitat é claro, mas vejo noite caindo;
e eu tento, com meu vinho, esquecer tudo de mim.
Quem sabe assim eu me deleite no novo,
num novo formato que aqueça o meu sonho.

Agora o truvo se apodera... E o vento? Ah! Esse nem me espera.
Bate em mim, tão viciante, tão balançante
Que só me vejo flutuar. Tão bêbado, tão embriagante
que suspiro a me afagar. Eu vivo sim e isso me regenera.

O tranquilo aqui impera... De noite o som do grilo,
de manhã ave na janela. Ao longe a saracura,
que dos três-potes, só de um a água cura.
E assim me aquieto, não vejo nem ouço mais impecilhos.

Os meus sonhos enfim mudaram, quem sabe pra melhor...
Um dia eu vejo as nuvens, n’outro o seu criador.
E de noite, sem mais horrores, vejo a lua em esplendor;
e eu que sou a criatura, vi nascer a formosura, esse tal bunito amor...

Ontem eu saí a passear... Num desses barcos azul-metal
e senti a mesma brisa, vi meu rosto suspirar.
O anil se fez barreado, o nadante a levitar
e no final fiz minha mente, fiz o meu motor roncar.

E por fim, a noite se refez sem o brilho do luar:
foi ele minha lanterna, o meu truque, minhas pernas, que usei para viver.
Ele foi o meu desejo, o meu delírio de prazer...
E é nele o meu vinho, és o fio a me tecer.


sábado, 2 de maio de 2015

Significado do vazio

Dizia ele:

- O vazio é um quase cheio, uma coisa por um fio!...

É como uma coisa fina, como um fio que liga extremos, trazendo luz à escuridão. Um violão, os pedestais e seus microfones, a percussão e tudo mais, não são nada sem as pessoas para toca-los. São vazios. Nem mesmo tudo, a casa, o carro e o rio-mar, parecem tudo frente ao vazio criado pelo rompimento desse fio. A condução de tudo foi perdida e o cheio se esvaziou bem pra lá desse mundo, bem pra lá do riacho fundo.
Os trilhos dessa estrada se tornaram cada vez mais vazios de sentido, de novidade a cada curva antes surpreendentemente desconhecida. O vazio se fez da graça de outrora para uma “sem gracice” preponderante e que teima em se tatuar na pele feito um carma. E então o vazio se tornou profundo, como um riacho fundo cheio de poços quase ligados, quase cheios pela chuva que passou. O quase vazio se confundiu com o cheio, d’onde quase tudo é completo, carente de significado. Pra quê? Pra quem? Por quê?
“Tenho tudo nas mãos mas não tenho nada”, já dizia o poeta do bom e velho forró, rela bucho. Mas é tanta rima solta, tanto ponto sem nó, tanto chão sem pó que até a música calou-se, meditanto o porquê de tanto instrumento, de tanta poesia. Fizeram de tudo pra serem visto, ouvidos. Fizeram o certo, o errado, inté os dois ao mesmo tempo pra ver a loteria do provavel acontecer. Tudo em vão. Fica a interrogação. De certeza, só a cara de frente com o muro do vazio, do quase lá.
Não se trata de discurso pessimista ou mesmo de mensagens subliminares que pervertam vossas mentes. Nem tão pouco do agouro que arrupeia a pele antes da consumação. Trata mais da filosofia, do jeito de pensar. Tudo faço ou faço nada para a tampa encaixar? A água jorra certa ou errada pra cumbuca transbordar? Talvez o falte fio, o quase nada, pra essa tampa pipocar.
O mundo é um mundo e o meu [teu, vosso] mundo é só um mundo. Tão fundo que a água que sai não transborda pra encher o vazio. Tão mundo que tudo o quanto tenho serve pra tudo e pra todos. Tão vivo tal qual o vinho mais capitoso, mais cheiroso. E os “made in PE” então, nem se fala. São a salvação da lavoura contra seca e enchente.
Seca, cheia, rio, peixe... Todos significam algo em sua completude. Têm atributos que os destinguem e identificam. E o vazio? Como nos identificar quando as coisas que possuímos estão desprovidas de significado? Talvez, estejamos egoístas. Talvez estejamos mareados com as inúmeras expectativas que cercaram as coisas e as tornaram vazias. Sem medo de dizer, escuto a minha alma pra afastar esse copo meio cheio, essa taça vazia que teimamos tomar. Talvez o vazio não seja nada. E com certeza, o vazio só caberá como objetivo quando olharmos pra uma bela e cheia taça de vinho.



Essa é a estória do cabra que conversava com ele mesmo e que um dia pretendeu ter tudo que o dinheiro pode comprar pra encontrar a tal felicidade. Ele só não se lembrava do vazio que vem embutido em cada compra.

quarta-feira, 29 de abril de 2015

A prosa do bicho que virou planta

Abaixo, uma contribuição do Prof. Dr. Rogério Parentoni Martins, um dos maiores expoentes da Ecologia no Brasil. Gentilmente, ele cedeu essa linda prosa pra publicação aqui nesse espaço.


O bode que virou cacto
(Rogério P. Martins)

Bode jão cabisbaixava
No sertão do  Seridó
Os zoin era de dó
Parecia preá na porta
Mascando a boca torta

Nem esperava Jão
Acelerar o coração
Pensou que ia voar
Mas o destino de bode
É ficar com o pé no chão

Na sombra do juazeiro
Mascou capim roceiro
E os zóio se amundou
Quando a mulé passou
As curvas de arroxeio

Tremia que nem lumeiro
Na noite do caatingão
A cabeça do bode aprumou
Os cabelo se espetou
A coisa volumou

O caba não se aquietô
Babando saiu de carreira
Mas a morena tretera
O bode jão enganou

Na carreira medonha
de coração disparado
Se perdeu no babado
A boca réia secou
Prá caatinga em carreira

O bode desesperou
Corria de desmantelo
Até que o pobe arriou
Espinho na frente e ré

Parecia uma vassoura
Com a varredeira em pé
De língua de fora broxô
A coisa feia pingelô
Igual costa de barco réio
Que de repente cansou

Mesmo com sol luzindo
Nenhum andante notou
Até que um dia
menino na mão da tia
Passava no caatingão
Quatro  zóio viu o Jão

Parecia um porco espinho
Ou era assombração
Só os zóio se via
Parecia ovo de urubu
No meio de espinhão

O menino avexado
A tia aperreou
Olha a pisa minino
Num é porco-espinho
Nem é assombração

Assombração dá de noite
E olhe o sol luzindo
Na jurema do sertão
Parece um num sei que
Mar num é do mal não

A tia lembrou dum galo
Réio igual bode jão
Que assustou com o gavião
As pena arrupiou
Parecia um espigão

Olhando de pescoceira
com zóio de espichão
Se aqueta  minino
O bicho é do sertão
Doutro mundo é que é não

Nem porco-espinho
Nem assombração
Nem parece o galo réio
Que as pena arrupiô
Isso é mandacaru
Que nasce no caatingão

Esse foi o destino do bode
Que quis morena tretera
Que tinha parte com o cão

Desmantelado ficou
Que nem mais saiu do chão
A espinheira da caatinga
Deixou o bode na mão.

Essa é a história do bode joão desejoso de mulé que tava em nome do cão. Animal com desejo de gente, acaba preso no chão.

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

À Elizabeth Bishop

E o dia então chorou.
Tanto quanto eu nunca o fiz,
tanto que eu mesmo nunca vi.

Preciso de refúgio, uma sombra
que me afaste das nuvens pesadas.
Eu preciso de um cigarro pra acender a minha alma.

A água então escorreu em cascatas brancas
do zinco até o chão, molhando o sim e o não...
Entre cimento, tijolos e a escuridão.

Então não pude me conter, apesar de tanto querer.
E ela me maltrata, é má, maluca,
vem e vai quando quer, entra e sai quando lhe der.

Eu que gosto tanto da água e sua lama
queria a secura do corpo em chamas.
Creio não ser mais anfíbio. Talvez a seca.

Eu queria o sol nesse momento,
brilhando forte qual diamante no rio.
Só que não passo de um dependente, um girassol.

E de colher em colher a parede e o homem
enchem os olhos de imaginação.
Entre roncos, motores e construção
encho meus rios com lágrima, sofrimento e solidão.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Mais uma de amor.

Acho que não existe amor com orgulho.
Existe sim um baião-de-dois...
E com feijão sem gorgulho*!
Um queijo com gioabada,
Um molho com macarrão...
Dessas coisas que você come que se acaba!
Amor de verdade não olha pra si,
Não é egoísta... Olha pro outro.
Um verdadeiro “EU TE AMO”
Desse jeito bem ai mesmo,
Com todas as letras garrafais
Não apela e nem joga sujo.
Muito embora não haja regras nesse mundo.
Coisas desse tipo, soam como sino desafinado
Quando a oração soa gaguejada, esmaecida.
Soa um eu te amo sem aspas. Diminuto.
O amor é feito sino: quando bate todos ouvem.
E nem mesmo o vento, chuva ou tempestade
Movem as montanhas do concreto e do abstrato como ele.
O amor faz dos pingos da chuva uma martelada
Latente, imponente e de força descomunal...
Que nem mesmo o próprio ciclo das águas,
Em toda nossa atmosfera,
Consegue mudar o rumo que ele segue.
É um ciclo só dele, sem ciclos, vícios ou lógica
Que o torna careta, ilógico e imprevisível.
E o que eu sei sobre o amor?
Nada. Só o tempo, o vento, a chuva ou tempestade
Poderão um dia me mostrar um rumo.
Ou pelo menos um sentido em sua metade.


* pequeno besouro que ataca o grão de feijão.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

Náufrago

Quando o sol se põe e a noite vem
É que me dou conta do infinito.
É como andar pelo mundo, ou vagando pelo mar
Esperando o que não virá, indo pra qualquer lugar.
E no meu lugar não há destino,
Pouco importa onde eu vá...
Pois quando não se sabe onde ir,
Qualquer lugar serve, importante é chegar.
Hoje eu saí na rua, ouvi as aves como sempre
Revi os bichos, só em minha mente
Na certeza de que não os verei mais...
Tão pouco aqueles velhos e bons momentos
Que o nosso céu contemplávamos em plena revoada.
A porta se fechou, o dia de ontem se passou
E até meu louro mal passou.
E enfim aquele velho fogo reacendeu,
No meu belo bicho verde-mata
Que no dia de hoje ressuscitou.
Capenga, mal assistido e carente
Caiu de bico, coitado todo estrupiado
Estava sim, com o corpo e a alma doente.
Assim o sol se pôs, o céu se enrubrou. Em mim trovejou.
Só me restam os gritos, as aves e uma lua no ar que chorou.