quinta-feira, 17 de julho de 2014

Dragas no rio Parnaíba: uma revisitação.



Ensaio
 
Francimário da Silva Feitosa

Programa de Pós-Graduação em Ecologia e Recursos Naturais, Laboratório de Ecologia de Rios do Semiárido, Universidade Federal do Ceará – UFC, CEP 60455-970, Fortaleza, CE, Brasil. Email: francimario.feitosa@gmail.com


Em virtude do número crescente de dragas que literalmente sugam os sedimentos e a água da calha principal do rio Parnaíba, resolvi escrever uma pequena nota sobre o tema (Feitosa, 2010) onde me posicionava contra a utilização de tais equipamentos sem o devido conhecimento a cerca da dinâmica natural daquele rio. Entretanto, o texto revela uma espécie de equilíbrio entre a utilização das dragas e um possível benefício delas em virtude do assoreamento observado no vale do rio Parnaíba.

Faz-se necessário aqui ressaltar que as dragas são utilizadas como equipamentos para o desassoreamento de canais, como explicado no texto acima citado. Entretanto, a principal utilização destas máquinas no Parnaíba é necessariamente em virtude da exploração de areia para construção civil. E a pergunta que não quer calar é quanto à legalização das dragas.
Entendo que todos os elementos que compõem a dinâmica natural do rio Parnaíba devem ser levados em consideração. A saber: a dinâmica da fauna aquática (peixes, crustáceos, insetos) e da sedimentação natural (quanto sedimento naturalmente é carreado pelo rio) (Esteves, 1998).
Entretanto, poucos aspectos contemplam sistemas originalmente naturais, em virtude da alteração do ambiente de origem antrópica, por exemplo, o sistema de barramento para geração de energia elétrica entre o alto e o médio curso e as grandes áreas de monocultura de soja no alto curso do rio.

Componentes naturais: fauna aquática e sedimentos carreados
Um dos componentes principais na dinâmica do rio Parnaíba (e dos demais) é o meio biótico, ou seja, todas as espécies que evoluiram naquele local e fazem com o ambiente uma espécie de feed-back, alterando sensivelmente seus hábitats de modo que se consiga um ajuste favorável (ou não). O conhecimento sobre a fauna do rio Parnaíba é considerado insipiente, e portanto, as interações entre elas é um mero esboço do que ocorre em outras tantas bacias pelo mundo afora.
No entanto, sabe-se por exemplo, que a biologia de muitas espécies depende de outras (Townsend et al., 2010), que necessariamente devem estar naquele ambiente. Interações como a predação e competição moldam as principais características do fator biótico, que pode ser “visualizado” em termos de estrutura das assembléias.
Insetos
Do ponto de vista quantitativo, esse grupo pode ser um dos mais importantes não só na calha do Parnaíba, como também em toda a sua bacia. Uma significante parte dos insetos depende do ambiente aquático para completar o seu ciclo de vida e, por isso, boa parte das larvas são encontradas nesse ambiente. Isso significa dizer que as interações entre os insetos e os demais grupos é histórica e que há uma forte ligação evolutiva entre ambos. Subgrupos como o dos dípteros podem ser diretamente afetados pela sucção das mangueiras das dragas, sendo removidos de microhábitats específicos e interrompendo seu ciclo natural.

Crustáceos
O grupo dos crustáceos do rio Parnaíba é composto por pequenos camarões e caranguejos. É um grupo pequeno em termos quantitativos de espécies, mas importante em termos de biomassa e funciona como fonte de energia para outros grupos (principalmente peixes), além de parte ser detritívora (alguns caranguejos). O fato de haver uma série de impactos inerentes à exploração de areia pode alterar significativamente o hábitat da grande maioria dos crustáceos, embora alguns camarões tenham microhábitats específicos, como cascalho, embaixo de pedras e frestas entre rochas. Outro grande problema seria a alteração na qualidade da água (em termos de sedimentos carreados), pois os camarões são essencialmente filtradores e dependem de uma certa qualidade no ambiente para aquisição de seus recursos alimentares.
Peixes
Apesar de não ser bem estudado, esse grupo é relativamente conhecido, embora a sua biologia careça de muito aprofundamento. A inferência do funcionamento da biologia de diversas espécies é ainda muito baseada em estudos comparativos e muito raramente existe casos específicos investigados no rio Parnaíba.
Os peixes são relativamente bem diversos (riqueza de espécies) e a maior parte muda ontogeneticamente seus hábitos alimentares, passando essencialmente de plantófagos para piscívoros, herbívoros ou omnívoros. Outros, como as raias são detritívoras e por isso possuem o hábito de se enterrar no sedimento mole e até mesmo na areia de granulação mais fina.
O impacto causado pela sucção da mangueira das dragas também é avassalador para os peixes maiores que habitam o canal mais profundo do rio, pois retira o sedimento natural (e antrópico), alterando o hábitat diversas vezes num intervado de tempo muito curto.
Impactos causados pelas alterações antrópicas
O primeiro grande impacto observado está diretamente ligado à barragem de Boa Esperança, no município de Guadalupe-PI. Até agora é o único barramento (estão previstas pelo menos mais três) e tem como finalidade gerar energia elétrica. O fato de todos os dias haver um controle da vazão de água faz com que o nível do rio flutue constantemente, não havendo limites confiáveis para hábitats específicos de alguns organismos que dependem da margem do rio para forrageamento ou refúgio. Por segurança, as vezes, os operadores da hidroelétrica liberam um volume muito grande de água, fazendo o nível do rio subir assustadoramente à jusante e em outras vezes ocorre o contrário. Entretanto, diariamente os níveis flutuam e por isso alguns organismos mais sensíveis podem estar vulneráveis à essa oscilação.
O segundo impacto que deve ser atentado nesse contexto são os grandes empreendimentos agrícolas (monoculturas de soja, principalmente) que abrem grandes áreas de vegetação nativa para plantio. Ocorre que se toda a vegetação de uma área for retirada para esse fim, não haverá elementos que “segurem” o sedimento. A partir daí, na primeira chuva muito sedimento será deslocado para os pequenos riachos e rios, que consequentemente será levado para a calha principal do Parnaíba.
Um exemplo gritante para isso é o que ocorre na famosa Av. Maranhão, nas localidades da beira-rio do município de Teresina-PI. Grandes bancos de areia estão acondicionados naquele local, aumentando o nível da água no período chuvoso. Provavelmente, essa acumulação de sedimentos se dá por conta do relevo dessa região e como ela pertence ao curso médio do Parnaíba, não há tanta declividade para escoamento da água e dos sedimentos carreados por ela.
Aqui, talvez, seja necessária uma intervensão por meio de dragas, ou até mesmo de outro maquinário que dê conta de retirar toda aquela quantidade de sedimento e reestabelecer a vazão normal do curso. Mesmo em Floriano-PI, município alvo e objeto desse ensaio, alguns locais já se encontram bastante assoreados, com a profundidade do rio significativamente menor que a normal, de tempos atrás. Também, uma intervensão por dragagem poderia ser efetivada, entretanto com finalidade única e exclusiva de recuperar os trechos em questão.

Conclusões
As dragas no rio Parnaíba funcionam somente para extrações de areia que são liberadas por órgãos competentes da área ambiental. Entretanto, parece não haver critérios para essa atividade e a utilização deveria ser  cuidadosamente planejada para que não hajam prejuízos ao ecossistema em questão, muito menos aos seus componentes bióticos.
O conhecimento a cerca da dinâmica do fator abiótico tem igual peso quando comparado com o biótico. Muito pouco se sabe e por isso não há mecanismos legais para o usufruto dos recursos sem um prévio conhecimento dos seus processos regenerativos.

Referências
Esteves, F.A. 1998. Fundamentos de limnologia. Ed. Interciência, 2ª Edição, Rio de Janeiro, RJ.
Feitosa, F.S. 2010. Dragas no rio Parnaíba. Disponível em: http://www.chicomariofeitosa.blogspot.com.br/2010/01/dragas-no-rio-parnaiba.html#comment-form Acesso em 15/04/2014.
Townsend, C.R.; M. Begon & J.L. Harper. 2010. Fundamentos em ecologia. Editora Artmed, São Paulo.

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