"Bebida é água", já diz uma das frases mais ontológicas da música popular brasileira. Música, que aliás, tem sido instrumento de segregação social na cidade de Floriano, Piauí. Música, aqui, virou uma espécie de "artigo de luxo", algo tão caro, mas tão caro, que chega a ser "outro tipo de música". Uma outra arte, onde os consumidores, abastados, nem se dão ao luxo de consumi-la, degustando-a como fino vinho.
Outro dia resolvi assistir um show de música, de um artista que ha muito queria ver e que ainda não tinha tido o prazer de faze-lo. Coloquei tênis (até estranharam), calça jeans e uma camiseta da hora. Fiz como manda o figurino pra consumir esse produto à minha maneira e assim saciar meu desejo intrépido de ouvir música boa. Era um final de semana típico em Floriano, mas algo saiu inteiramente do meu entendimento.
Para assistir o referido show, o interessado teria que pagar o módico preço de R$ 70,00 por uma mesa. Até ai tudo bem, todo produto tem seu preço. Foi ai que lancei mão de uma pergunta, que parece ser boba, mas que faz bastante sentido se fizermos uma análise de como a cultura musical é consumida em Floriano.
Ao chegar no local, dirigi-me à um dos atendentes e investiguei a maneira de entrar pra ver o show. De súbito, a informação acima foi confirmada. Foi ai que indaguei se eu conseguiria ocupar quatro lugares reservados numa mesa (não com essas palavras, é lógico). Em seguira, e prontamente, me negaram o direito de pagar ingresso individual (que não existia para o evento). O desfecho dessa história? Acabei num dos melhores lugares no espaço do show, sem pagar ingresso (ou mesa!) à convite de outra pessoa.
O fato é que se não fosse por uma mera coincidência, eu estaria naquele momento sendo expulso de um evento público (mas que parecia privado) por questionar de maneira consciente o modo como o produto artístico estava sendo comercializado no local. A oportunidade foi uma boa deixa para discutirmos como as políticas públicas voltadas para a cultura (e outras áreas) são tratadas na cidade. E uma conclusão que se chegou foi mais que óbvia: falta competência para gerir tais políticas. Não basta gostar, curtir, se não souber fazer. De nada adianta, pois as pessoas daqui que vivem de música, por exemplo, estão no limite financeiro, com suas famílias em situação de risco e em muitos casos, passando extrema necessidade.
Por isso, quero deixar aqui o meu repúdio aos gestores municipais. Pois os músicos locais são a nossa identidade e em muitos casos, precisam definitivamente deixar nossa terra para dar o pão de todo dia aos seus. E os que aqui ainda sucumbem, já começam a desvalorizar a sua arte, por questões óbvias: todos têm que se virar de alguma forma. A política do "pão-e-circo" continua a pairar sobre as cabeças dos florianenses, que estão sedentos de políticas que inibam, por exemplo, a absurda poluição sonora no Cais do Porto: uma das únicas áreas de lazer da cidade.
Não se tem, por exemplo, um amplo debate sobre como as artes devem ser consumidas em Floriano. E isso é uma necessidade urgente, pois não só os artistas, mas as pessoas envolvidas direta ou indiretamente (donos de bares, restaurantes e afins) também ganhariam com uma regulamentação que refletisse a cara da cidade. De uma maneira geral, todos ganhariam: mais opções seriam criadas, preços seriam acordados, artistas (principalmente locais) seriam valorizados e os eventos teriam calendário próprio. Na minha opinião, isso tudo falta por culpa dos gestores, que têm o dever de fazer com que isso aconteça.
Viver de água para beber e pasto pra se alimentar não cabe no meu vocabulário cultural. Eu continuo querendo o caos que fervilha na cabeças dos artistas da terra. Quero que nossa juventude seja independente, fazendo escolhas coerentes com seus valores e não um bando de jegues encabrestados debaixo do açoite político que levam todo dia. Quero uma sociedade atuante.