domingo, 13 de maio de 2012

Comida é pasto


"Bebida é água", já diz uma das frases mais ontológicas da música popular brasileira. Música, que aliás, tem sido instrumento de segregação social na cidade de Floriano, Piauí. Música, aqui, virou uma espécie de "artigo de luxo", algo tão caro, mas tão caro, que chega a ser "outro tipo de música". Uma outra arte, onde os consumidores, abastados, nem se dão ao luxo de consumi-la, degustando-a como fino vinho.
Outro dia resolvi assistir um show de música, de um artista que ha muito queria ver e que ainda não tinha tido o prazer de faze-lo. Coloquei tênis (até estranharam), calça jeans e uma camiseta da hora. Fiz como manda o figurino pra consumir esse produto à minha maneira e assim saciar meu desejo intrépido de ouvir música boa. Era um final de semana típico em Floriano, mas algo saiu inteiramente do meu entendimento.
Para assistir o referido show, o interessado teria que pagar o módico preço de R$ 70,00 por uma mesa. Até ai tudo bem, todo produto tem seu preço. Foi ai que lancei mão de uma pergunta, que parece ser boba, mas que faz bastante sentido se fizermos uma análise de como a cultura musical é consumida em Floriano.
Ao chegar no local, dirigi-me à um dos atendentes e investiguei a maneira de entrar pra ver o show. De súbito, a informação acima foi confirmada. Foi ai que indaguei se eu conseguiria ocupar quatro lugares reservados numa mesa (não com essas palavras, é lógico). Em seguira, e prontamente, me negaram o direito de pagar ingresso individual (que não existia para o evento). O desfecho dessa história? Acabei num dos melhores lugares no espaço do show, sem pagar ingresso (ou mesa!) à convite de outra pessoa.
O fato é que se não fosse por uma mera coincidência, eu estaria naquele momento sendo expulso de um evento público (mas que parecia privado) por questionar de maneira consciente o modo como o produto artístico estava sendo comercializado no local. A oportunidade foi uma boa deixa para discutirmos como as políticas públicas voltadas para a cultura (e outras áreas) são tratadas na cidade. E uma conclusão que se chegou foi mais que óbvia: falta competência para gerir tais políticas. Não basta gostar, curtir, se não souber fazer. De nada adianta, pois as pessoas daqui que vivem de música, por exemplo, estão no limite financeiro, com suas famílias em situação de risco e em muitos casos, passando extrema necessidade.
Por isso, quero deixar aqui o meu repúdio aos gestores municipais. Pois os músicos locais são a nossa identidade e em muitos casos, precisam definitivamente deixar nossa terra para dar o pão de todo dia aos seus. E os que aqui ainda sucumbem, já começam a desvalorizar a sua arte, por questões óbvias: todos têm que se virar de alguma forma. A política do "pão-e-circo" continua a pairar sobre as cabeças dos florianenses, que estão sedentos de políticas que inibam, por exemplo, a absurda poluição sonora no Cais do Porto: uma das únicas áreas de lazer da cidade.
Não se tem, por exemplo, um amplo debate sobre como as artes devem ser consumidas em Floriano. E isso é uma necessidade urgente, pois não só os artistas, mas as pessoas envolvidas direta ou indiretamente (donos de bares, restaurantes e afins) também ganhariam com uma regulamentação que refletisse a cara da cidade. De uma maneira geral, todos ganhariam: mais opções seriam criadas, preços seriam acordados, artistas (principalmente locais) seriam valorizados e os eventos teriam calendário próprio. Na minha opinião, isso tudo falta por culpa dos gestores, que têm o dever de fazer com que isso aconteça.
Viver de água para beber e pasto pra se alimentar não cabe no meu vocabulário cultural. Eu continuo querendo o caos que fervilha na cabeças dos artistas da terra. Quero que nossa juventude seja independente, fazendo escolhas coerentes com seus valores e não um bando de jegues encabrestados debaixo do açoite político que levam todo dia. Quero uma sociedade atuante.

quinta-feira, 10 de maio de 2012

Taxonomia, período reprodutivo e dieta dos peixes de Bocaina, Piauí (3).

Foi realizada nos dias 05 e 06 de maio a quarta das seis coletas agendadas para o projeto. Um fato marcante ocorreu fazendo com que a quantidade de espécies (e exemplares) fosse menor: deu Lua! A noite estava bastante iluminada por ela. Parecia dia, e olhando pro espelho d'água do lago da barragem de Bocaina, encontrei inclusive uma licença poética para abrandar as coisas cálidas que passam pelo coração e mente. Pena que não registrei em foto esse momento, fiquei tão fascinado com a iluminação que prontamente me passou despercebido. Infelizmente, não vou poder compartilhar com vocês esse momento, mas creio que todos podem imaginar o quanto estava em êxtase nesse exato momento.
Quanto aos peixes, muito provavelmente, eles não saíram pra caçar essa noite. Num ambiente mais escuro, eles saem pra se alimentar e ninguém é de ninguém. Prevalece a lei do mais forte nessa hora. Com o ambiente iluminado, poucos se arriscam a sair e a maioria prefere ficar escondido, à espreita, esperando um melhor momento para se alimentar. Caso contrário, podem virar comida para os outros.
Apesar de visualmente identificarmos a presença das sardinhas, bastante abundantes, nenhuma delas caiu nas redes dessa vez. Creio que por causa da iluminação noturna. Entretanto, pouco mais de 5 espécies foram capturadas, representadas por pouquíssimos exemplares.
Finalmente conseguimos coletar mais exemplares de Moenkausia cf. intermedia (piaba-branca, piaba-corintiana) (foto abaixo). Seus exemplares serão enviados ao setor de ictiologia do Museu de Zoologia da USP, onde serão analisadas pelos ictiólogos de lá. Talvez, estejamos ampliando a área de distribuição dessa espécie ou quem sabe, divulgando mais uma espécie nova para a ciência.


É isso. Nada de anormal ou tão significativo ocorreu durante mais essa fase do trabalho. Espero contar agora com a astúcia da equipe de pesquisadores para discutirmos os aspectos mais relevantes para em conjunto divulgarmos os resultados. Creio que estamos no caminho certo.

quarta-feira, 2 de maio de 2012

Taxonomia, período reprodutivo e dieta dos peixes de Bocaina, Piauí (2).



Tudo certo para a 4ª das seis coletas (e não cinco, como noticiei na última postagem sobre o assunto) na barragem de Bocaina, Piauí. Conversando com populares e trabalhadores do projeto de piscicultura implantado no local, descobri que a ideia da construção da represa partiu mediante uma suposta necessidade de água para irrigação nas propriedades da região. Necessidade frustrada, pois não se tem notícia sobre grandes projetos que usam essa técnica para produção agrícola por essas bandas.
De fato, o aproveitamento atual do lago se dá através da piscicultura. O negócio parece ser bastante atrativo para os produtores e tem gerado emprego e renda para diversas pessoas. Muitas delas se especializaram, por exemplo, em filetar tilápia, embora não veja muito esse produto (filé) no comércio local. A venda do pescado, quase que integralmente, é de peixe in natura, recém despescado. O interessado vem à colônia, pede, e um funcionário vai imediatamente buscar a quantidade desejada pelo cliente.
Bom, mas voltando ao assunto original dessa postagem, posso dizer que estamos bastante satisfeitos com os resultados pré-liminares do trabalho, salvo a falta de bibliografia para um dos aspectos que serão investigados. Por isso, quero aqui expor uma certa indignação com alguns companheiros cientistas do Piauí. Creio que ajudando um ao outro, todos têm a ganhar. Mas infelizmente, não é assim que pensam algumas pessoas, as quais solicitamos ajuda nesse sentido. Arrisco dizer que esse é um dos motivos do atual estado da arte na pesquisa científica do Estado: medíocre.
No entanto, cientista que se preza sempre tem um plano B, uma carta na manga. Caso não aja publicações, não será por isso que deixarão de ser efetivadas. O que vale mesmo são os resultados surpreendentes que temos observado, coleta após coleta, nesse bioma que é considerado pobre de espécies. Também vale ressaltar as interessantes observações que temos feito, principalmente no que diz respeito à abundância de algumas espécies.
Na postagem anterior, frisei que a sardinha (Triportheus signatus) era uma forte candidata a figurar publicamente a sua dieta e alimentação. Creio hoje que isso é fato, pois sua abundância chega a ser, para mim, assustadora. Muito terá o que se discutir em relação a isso, pois lá a sua biologia parece ter achado um recanto em toda sua área de distribuição. Ressalto aqui, sem nenhum receio, que a perturbação do ambiente provocou essa situação, principalmente pelo lançamento de insumos da piscicultura e limpeza do pescado no mesmo local da sua produção.
Interessante também é notar a ausência dos bagres lisos (Siluriformes). Talvez porque as técnicas de coleta não sejam eficientes para sua captura. Esses peixes geralmente habitam o fundo dos lagos e rios se alimentando de muitos itens que lá chegam. Entretanto, populares afirmam que a profundidade em alguns pontos chegam a 80 metros. Somente um exemplar, da Família Achenipteridae (popularmente conhecido como cumbá - ver foto abaixo) foi capturado até a terceira coleta. Entretanto, duas espécies de caris (Familia Loricariidae) foram coletados e são relativamente abundantes.
Um fato que muito me preocupa é o período de coleta. Seria um semestre de coleta, o que não contempla um ciclo hidrológico completo. Embora estejamos fazendo o trabalho no período que deveria estar chovendo, temo que esse curto período de amostragem nos impeça de fazer discussões mais elaboradas. Talvez, uma saída seria ampliar as coletas - realizando pelo menos mais duas no segundo semestre desse ano. Enfim, alguma saída deve ser urgentemente pensada para a resolução desse problema, contemplando os objetivos iniciais do plano.
Outro fato preocupante é a saúde da água na barragem. Penso que algumas estratégias devem ser pensadas para evitar que a água se torne um caldo de ração vísceras e escamas (se bem que a sardinha e outros pequenos peixes parecem estar dando conta dessa carga de alimentos em excesso...). Bom, o fato é que isso deve ser investigado para que, quem sabe, saídas alternativas possam ser implementadas, aproveitando ainda mais o potencial do local. Esse é o nosso desejo e estamos trabalhando para isso.