Rogério Parentoni Martins
"Brasil,
meu Brasil brasileiro, meu mulato inzoneiro" (que provoca intrigas, que se
faz de sonso); "deitado eternamente em berço esplêndido" (forrado com
lençóis e cuecas corrompidas). Joaquim Pedro de Andrade e o nosso Macunaíma, um
herói sem nenhum caráter, magistralmente interpretado pela Dina Sfat, quando
pariu o pequeno Grande Otelo. A Ópera do Malandro, épico da malandragem, de
Chico Buarque. Zé Carioca, o urubu malandro com camisa do Flamengo, todos
personagens caricatos de uma realidade surreal. "Moro num país tropical
abençoado por Deus"; como fico se sou ateu? Nossa alegórica cultura, cujo
traço marcante, ficou imortalizado nas palavras de um jogador de futebol e
alçado à condição de lei "levar vantagem em tudo". Não me emociono
com as simulações dos endeusados jogadores de futebol: o que vejo é pura
malandragem, disfarçada de talento. Podemos
dizer imoral ou amoral; a falta de caráter é amoral. O Brasil solidário é uma
sofisticada peça de ilusão. Manuel Castell, sociólogo espanhol, desmascarou
nossa falta de vergonha, ao apontar-nos a falta de solidariedade de que
padecemos, já ironizada pela expressão "brasileiro é bonzinho". Para
contar piadas de mau gosto, ocasiões em que, descaradamente, nossos
preconceitos se mostram, somos campeões. Até uma fruta, marmelo, serviu para
caracterizar um traço marcante de nosso caráter: a marmelada. Houve quem
dissesse que honesto é aquele que não teve oportunidade de roubar, não o que
trabalha direito, paga suas contas, altíssimos impostos, para deleite dos
"grandes brasileiros" e seus acólitos. Falar em bando, quadrilha,
súcia, corja ficou corriqueiro. Para roubar muito, não dá prá roubar sozinho, é
preciso fazer promissoras alianças, onde todos ganham e muito: ninguém reclama.
Um político piauiense que forjou seu caráter nas montanhas das Gerais, há
tempos pontificou "esse não é um país sério", o que foi atribuído a
De Gaulle. Se for ao exterior, talvez não seja prudente dizer que é brasileiro,
a não ser que tenha algo em nosso país que seja motivo de orgulho, será? Em tom
de chiste, que muitos podem até se orgulhar, certamente ouvirá: "Pelê,
carnival, mulatá". Respondermos: "yes, we have bananas".
"Triste Bahia"
Caetano Veloso e Gregório de Matos
Triste Bahia, oh, quão dessemelhante…
Estás e estou do nosso antigo estado
Pobre te vejo a ti, tu a mim
empenhado
Rico te vejo eu, já tu a mim
abundante
Triste Bahia, oh, quão dessemelhante
A ti tocou-te a máquina mercante
Quem tua larga barra tem entrado
A mim vem me trocando e tem trocado
Tanto negócio e tanto negociante
Triste, oh, quão dessemelhante,
triste
Pastinha já foi à África
Pastinha já foi à África
Pra mostrar capoeira do Brasil
Eu já vivo tão cansado
De viver aqui na Terra
Minha mãe, eu vou pra lua
Eu mais a minha mulher
Vamos fazer um ranchinho
Tudo feito de sapê, minha mãe eu vou
pra lua
E seja o que Deus quiser
Triste, oh, quão dessemelhante
ê, ô, galo canta
O galo cantou, camará
ê, cocorocô, ê cocorocô, camará
ê, vamo-nos embora, ê vamo-nos embora
camará
ê, pelo mundo afora, ê pelo mundo
afora camará
ê, triste Bahia, ê, triste Bahia,
camará
Bandeira branca enfiada em pau forte…
Afoxé leî, leî, leô…
Bandeira branca, bandeira branca
enfiada em pau forte…
O vapor da cachoeira não navega mais
no mar…
Triste Recôncavo, oh, quão
dessemelhante
Maria pé no mato é hora…
Arriba a saia e vamo-nos embora…
Pé dentro, pé fora, quem tiver pé
pequeno vai embora…
Oh, virgem mãe puríssima…
Bandeira branca enfiada em pau forte…
Trago no peito a estrela do norte
Bandeira branca enfiada em pau forte…
Bandeira…
Enfim, parece ser confortável ser
amador; muitos confundem com autêntica criatividade: Esse é nosso jeitinho: em
se plantando dá...