Ensaio
Francimário da Silva Feitosa
Programa de
Pós-Graduação em Ecologia e Recursos Naturais, Laboratório de Ecologia de Rios
do Semiárido, Universidade Federal do Ceará – UFC, CEP 60455-970, Fortaleza,
CE, Brasil. Email: francimario.feitosa@gmail.com
Em virtude do número crescente de
dragas que literalmente sugam os sedimentos e a água da calha principal do rio
Parnaíba, resolvi escrever uma pequena nota sobre o tema (Feitosa, 2010) onde
me posicionava contra a utilização de tais equipamentos sem o devido
conhecimento a cerca da dinâmica natural daquele rio. Entretanto, o texto
revela uma espécie de equilíbrio entre a utilização das dragas e um possível
benefício delas em virtude do assoreamento observado no vale do rio Parnaíba.
Faz-se necessário aqui ressaltar que
as dragas são utilizadas como equipamentos para o desassoreamento de canais,
como explicado no texto acima citado. Entretanto, a principal utilização destas
máquinas no Parnaíba é necessariamente em virtude da exploração de areia para
construção civil. E a pergunta que não quer calar é quanto à legalização das
dragas.
Entendo que todos os elementos que compõem a dinâmica natural do rio
Parnaíba devem ser levados em consideração. A saber: a dinâmica da fauna
aquática (peixes, crustáceos, insetos) e da sedimentação natural (quanto
sedimento naturalmente é carreado pelo rio) (Esteves, 1998).
Entretanto, poucos aspectos contemplam sistemas originalmente naturais,
em virtude da alteração do ambiente de origem antrópica, por exemplo, o sistema
de barramento para geração de energia elétrica entre o alto e o médio curso e
as grandes áreas de monocultura de soja no alto curso do rio.
Componentes
naturais: fauna aquática e sedimentos carreados
Um dos componentes principais na dinâmica do rio Parnaíba (e dos demais)
é o meio biótico, ou seja, todas as espécies que evoluiram naquele local e
fazem com o ambiente uma espécie de feed-back,
alterando sensivelmente seus hábitats de modo que se consiga um ajuste
favorável (ou não). O conhecimento sobre a fauna do rio Parnaíba é considerado
insipiente, e portanto, as interações entre elas é um mero esboço do que ocorre
em outras tantas bacias pelo mundo afora.
No entanto, sabe-se por exemplo, que a biologia de muitas espécies
depende de outras (Townsend et al.,
2010), que necessariamente devem estar naquele ambiente. Interações como a
predação e competição moldam as principais características do fator biótico,
que pode ser “visualizado” em termos de estrutura das assembléias.
Insetos
Do ponto de vista quantitativo, esse grupo pode ser um dos mais
importantes não só na calha do Parnaíba, como também em toda a sua bacia. Uma
significante parte dos insetos depende do ambiente aquático para completar o
seu ciclo de vida e, por isso, boa parte das larvas são encontradas nesse
ambiente. Isso significa dizer que as interações entre os insetos e os demais
grupos é histórica e que há uma forte ligação evolutiva entre ambos. Subgrupos
como o dos dípteros podem ser diretamente afetados pela sucção das mangueiras
das dragas, sendo removidos de microhábitats específicos e interrompendo seu
ciclo natural.
Crustáceos
O grupo dos crustáceos do rio Parnaíba é composto por pequenos camarões
e caranguejos. É um grupo pequeno em termos quantitativos de espécies, mas
importante em termos de biomassa e funciona como fonte de energia para outros
grupos (principalmente peixes), além de parte ser detritívora (alguns
caranguejos). O fato de haver uma série de impactos inerentes à exploração de
areia pode alterar significativamente o hábitat da grande maioria dos
crustáceos, embora alguns camarões tenham microhábitats específicos, como
cascalho, embaixo de pedras e frestas entre rochas. Outro grande problema seria
a alteração na qualidade da água (em termos de sedimentos carreados), pois os
camarões são essencialmente filtradores e dependem de uma certa qualidade no
ambiente para aquisição de seus recursos alimentares.
Peixes
Apesar de não ser bem estudado, esse grupo é relativamente conhecido,
embora a sua biologia careça de muito aprofundamento. A inferência do
funcionamento da biologia de diversas espécies é ainda muito baseada em estudos
comparativos e muito raramente existe casos específicos investigados no rio
Parnaíba.
Os peixes são relativamente bem diversos (riqueza de espécies) e a maior
parte muda ontogeneticamente seus hábitos alimentares, passando essencialmente
de plantófagos para piscívoros, herbívoros ou omnívoros. Outros, como as raias
são detritívoras e por isso possuem o hábito de se enterrar no sedimento mole e
até mesmo na areia de granulação mais fina.
O impacto causado pela sucção da mangueira das dragas também é
avassalador para os peixes maiores que habitam o canal mais profundo do rio,
pois retira o sedimento natural (e antrópico), alterando o hábitat diversas
vezes num intervado de tempo muito curto.
Impactos causados
pelas alterações antrópicas
O primeiro grande impacto observado está diretamente ligado à barragem
de Boa Esperança, no município de Guadalupe-PI. Até agora é o único barramento
(estão previstas pelo menos mais três) e tem como finalidade gerar energia
elétrica. O fato de todos os dias haver um controle da vazão de água faz com
que o nível do rio flutue constantemente, não havendo limites confiáveis para
hábitats específicos de alguns organismos que dependem da margem do rio para
forrageamento ou refúgio. Por segurança, as vezes, os operadores da
hidroelétrica liberam um volume muito grande de água, fazendo o nível do rio
subir assustadoramente à jusante e em outras vezes ocorre o contrário.
Entretanto, diariamente os níveis flutuam e por isso alguns organismos mais
sensíveis podem estar vulneráveis à essa oscilação.
O segundo impacto que deve ser atentado nesse contexto são os grandes
empreendimentos agrícolas (monoculturas de soja, principalmente) que abrem
grandes áreas de vegetação nativa para plantio. Ocorre que se toda a vegetação
de uma área for retirada para esse fim, não haverá elementos que “segurem” o
sedimento. A partir daí, na primeira chuva muito sedimento será deslocado para
os pequenos riachos e rios, que consequentemente será levado para a calha
principal do Parnaíba.
Um exemplo gritante para isso é o que ocorre na famosa Av. Maranhão, nas
localidades da beira-rio do município de Teresina-PI. Grandes bancos de areia
estão acondicionados naquele local, aumentando o nível da água no período
chuvoso. Provavelmente, essa acumulação de sedimentos se dá por conta do relevo
dessa região e como ela pertence ao curso médio do Parnaíba, não há tanta
declividade para escoamento da água e dos sedimentos carreados por ela.
Aqui, talvez, seja necessária uma intervensão por meio de dragas, ou até
mesmo de outro maquinário que dê conta de retirar toda aquela quantidade de
sedimento e reestabelecer a vazão normal do curso. Mesmo em Floriano-PI,
município alvo e objeto desse ensaio, alguns locais já se encontram bastante
assoreados, com a profundidade do rio significativamente menor que a normal, de
tempos atrás. Também, uma intervensão por dragagem poderia ser efetivada,
entretanto com finalidade única e exclusiva de recuperar os trechos em questão.
Conclusões
As dragas no rio Parnaíba funcionam somente para extrações de areia que
são liberadas por órgãos competentes da área ambiental. Entretanto, parece não
haver critérios para essa atividade e a utilização deveria ser cuidadosamente planejada para que não hajam
prejuízos ao ecossistema em questão, muito menos aos seus componentes bióticos.
O conhecimento a
cerca da dinâmica do fator abiótico tem igual peso quando comparado com o
biótico. Muito pouco se sabe e por isso não há mecanismos legais para o
usufruto dos recursos sem um prévio conhecimento dos seus processos
regenerativos.
Referências
Esteves, F.A. 1998.
Fundamentos de limnologia. Ed. Interciência, 2ª Edição, Rio de Janeiro, RJ.
Feitosa, F.S. 2010.
Dragas no rio Parnaíba. Disponível em: http://www.chicomariofeitosa.blogspot.com.br/2010/01/dragas-no-rio-parnaiba.html#comment-form Acesso em 15/04/2014.
Townsend, C.R.; M. Begon & J.L. Harper. 2010. Fundamentos em ecologia. Editora Artmed, São Paulo.