Abaixo, uma contribuição do Prof. Dr. Rogério Parentoni Martins, um dos maiores expoentes da Ecologia no Brasil. Gentilmente, ele cedeu essa linda prosa pra publicação aqui nesse espaço.
O bode que virou cacto
(Rogério P. Martins)
Bode jão cabisbaixava
No sertão do Seridó
Os zoin era de dó
Parecia preá na porta
Mascando a boca torta
Nem esperava Jão
Acelerar o coração
Pensou que ia voar
Mas o destino de bode
É ficar com o pé no chão
Na sombra do juazeiro
Mascou capim roceiro
E os zóio se amundou
Quando a mulé passou
As curvas de arroxeio
Tremia que nem lumeiro
Na noite do caatingão
A cabeça do bode aprumou
Os cabelo se espetou
A coisa volumou
O caba não se aquietô
Babando saiu de carreira
Mas a morena tretera
O bode jão enganou
Na carreira medonha
de coração disparado
Se perdeu no babado
A boca réia secou
Prá caatinga em carreira
O bode desesperou
Corria de desmantelo
Até que o pobe arriou
Espinho na frente e ré
Parecia uma vassoura
Com a varredeira em pé
De língua de fora broxô
A coisa feia pingelô
Igual costa de barco réio
Que de repente cansou
Mesmo com sol luzindo
Nenhum andante notou
Até que um dia
menino na mão da tia
Passava no caatingão
Quatro zóio viu o Jão
Parecia um porco espinho
Ou era assombração
Só os zóio se via
Parecia ovo de urubu
No meio de espinhão
O menino avexado
A tia aperreou
Olha a pisa minino
Num é porco-espinho
Nem é assombração
Assombração dá de noite
E olhe o sol luzindo
Na jurema do sertão
Parece um num sei que
Mar num é do mal não
A tia lembrou dum galo
Réio igual bode jão
Que assustou com o gavião
As pena arrupiou
Parecia um espigão
Olhando de pescoceira
com zóio de espichão
Se aqueta minino
O bicho é do sertão
Doutro mundo é que é não
Nem porco-espinho
Nem assombração
Nem parece o galo réio
Que as pena arrupiô
Isso é mandacaru
Que nasce no caatingão
Esse foi o destino do bode
Que quis morena tretera
Que tinha parte com o cão
Desmantelado ficou
Que nem mais saiu do chão
A espinheira da caatinga
Deixou o bode na mão.